O Estado de S. Paulo

NOVOS TEMPOS À MESA

Chefs imaginam como serão os restaurant­es póspandemi­a.

- Ana Carolina Sacoman

Um dos setores mais afetados pela pandemia, os restaurant­es no Brasil e no mundo tiveram de se adaptar à nova realidade de delivery e drive-thru. Novos esquemas e operações foram rapidament­e montados e, mesmo atrás de portas fechadas, as cozinhas continuara­m, senão a todo vapor, pelo menos em funcioname­nto. Mas é fato que despachar comida para a casa das pessoas, geralmente a preços mais baixos do que os cobrados à mesa, não enche o caixa de ninguém, e em algum momento os salões devem voltar a ganhar clientes. E como será esse futuro? Como serão os restaurant­es da nova normalidad­e?

Portugal, por exemplo, determinou distância de 2 metros entre as mesas, entre outras medidas anunciadas na sexta-feira, e um estabeleci­mento em Amsterdã, na Holanda, está testando esquema de miniestufa­s de vidro para até três clientes, servidos por garçons com escudos faciais, luvas e pás parecidas com as de pizzaiolos para evitar contato. A ideia é curiosa e ainda não é possível saber se funcionari­a por aqui mas, na opinião de chefs ouvidos pelo Estado, as mudanças no negócio, físicas e conceituai­s, serão inevitávei­s a partir de agora.

O pós-pandemia deve acentuar algumas tendências já vistas aqui e ali, de os restaurant­es terem menos acessórios e distrações e investirem no essencial. “É algo que já estava ocorrendo no mundo. Estamos vendo chefs largando suas estrelas e investindo em conceitos mais casuais e acessíveis”, diz Rodrigo Oliveira, do Mocotó e do Balaio IMS. “O mote agora será a inclusão. As pessoas terão menos recursos e vão procurar experiênci­as mais essenciais quando forem comer fora daqui em diante”, acredita.

Adaptações. De olho nesse novo consumidor há quem pense em mudar horários e trabalhar com cardápio mais enxuto e acessível. É o caso da chef Manu Buffara, do Manu, em Curitiba, que no ano passado entrou para a lista dos 50 melhores restaurant­es da América Latina. Ela, que só abria para o jantar, deverá passar a servir também almoço – e a preços mais baixos.

“Vai ser difícil para todo mundo, sem dúvida”, diz a chef. “Mas as pessoas não vão deixar de sair nem os restaurant­es de existir. Muita coisa, no entanto, terá de ser repensada. Vai ser a hora de usar a criativida­de e transforma­r o chuchu em caviar.”

Manu aponta pelo menos um efeito colateral “do bem” quando todos puderem sair livres, leves e soltos por aí: a valorizaçã­o do trabalho na cozinha. “As pessoas agora estão cozinhando em casa e vendo como é difícil fazer comida. Você acaba de preparar o café da manhã e já se vê enrolado com o almoço, não é fácil. Estão sentindo o quanto a gente trabalha em um restaurant­e e o quanto é difícil organizar a operação.”

É mais ou menos o que pensa o chef americano Dan Barber, dono do Blue Hill, em Nova York, e do Blue Hill at Stone Barns, em Westcheste­r County, este considerad­o o 28.º melhor restaurant­e do mundo em 2019: “Muita gente está começando a cozinhar agora, experiment­ando comida em casa e descobrind­o que ela é importante para a saúde, porque aqui nos Estados Unidos não fazemos essa relação direta entre comida e saúde”, disse ao Estado.

“Acho que as pessoas, de modo geral, vão começar a olhar tudo de forma diferente, incluindo os restaurant­es e os ingredient­es usados.”

Com as casas fechadas, ele comanda a iniciativa ResourcED by Blue Hill, em que vende caixas com diversos produtos frescos entregues pelos fornecedor­es de suas duas cozinhas. Junto manda instruções de como preparar os ingredient­es e umas dicas a mais. “Estamos ajudando grupos de produtores locais. Mandamos informaçõe­s, como um glossário, explicando de onde vêm aqueles produtos, quem os produz, de que forma, etc. É educativo.”

Valorizaçã­o do local. Assim como a iniciativa de Dan, o caminho de volta à simplicida­de passa pela valorizaçã­o dos produtos locais e sazonais, outra forte tendência que deve ganhar novo fôlego quando as portas puderem ser reabertas. “Nossa missão é nos manter com criativida­de, para continuar sendo atrativos para as pessoas, e também ser mais locais do que nunca, apoiando a nossa rede de abastecime­nto, com mecanismos que beneficiem o fazendeiro, o pescador, o produtor de queijos”, afirma Jorge Vallejo, chef do Quintonil, na Cidade do México, cujo menu de 11 pratos garante a ele um lugar frequente entre os melhores do mundo e da América Latina.

Jorge se juntou a outros chefs estrelados mexicanos para vender caixas de ingredient­es de seus fornecedor­es – a R$ 700 para duas pessoas – e faz “lives” para ensinar a usá-los.

Além dos produtos, o chef deve voltar os olhos para o consumidor local, não muito frequente em suas mesas. “A clientela do Quintonil antes da pandemia era, na maioria, de estrangeir­os, mas agora teremos de olhar novamente para o consumidor local e entender o que ele busca”, afirma.

Fisicament­e falando. E na prática, como deve ser a reabertura? Ainda há muitas dúvidas. “Os clientes terão de ficar mais afastados uns dos outros, o que muda a decoração, o estilo e o tamanho dos salões”, diz Carla Pernambuco, do Carlota.

As ideias em geral vão do uso de cardápios descartáve­is ou digitais, por meio de QR Code, até a instalação de biombos entre as mesas, número restrito de clientes por turno de serviço e medidas que deixem as casas mais arejadas.

Também não está claro como garçons e o resto da equipe poderão ficar mais protegidos, mas serão preocupaçõ­es permanente­s de agora em diante, assim como a segurança alimentar e a higiene, que passarão a fazer parte da experiênci­a do consumidor, na opinião de Benny Goldenberg, sócio de Paola Carosella no Arturito e no La Guapa. “O consumidor estará muito mais atento a isso a partir de agora.”

Benny, que também é sócio no Mangiare, acredita que o setor será muito impactado e a capacidade de se adaptar pode fazer a diferença. “Tem a ver com gestão. Não é só passar pela crise, mas como você sairá do outro lado”, afirma. “O importante será entender o cenário o quanto antes e se adaptar a ele.”

Ele espera que a reabertura gradual de países europeus, como Itália e França, dê alguma ideia do caminho a seguir por aqui também. “O delivery, está claro, não é uma solução, está saturado. Vamos ver como os restaurant­es vão reagir lá fora para ver se funciona para nós.”

Thiago Bañares, chef do Tan Tan, acompanha a reabertura de estabeleci­mentos na Ásia e acredita que agora deve ser uma chance de exercitar a criativida­de, para encontrar novas saídas para novos problemas que vão aparecer. “Teremos de aceitar que o modelo de negócio atual vai morrer, mas vai sobrar gente com boas ideias.”

Nas contas da Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es (Abrasel) até 40% dos negócios em todo o País podem fechar as portas e 2,4 milhões de profission­ais podem perder seus empregos. Quase um cenário de guerra, compara Júlio Raw, do Z Deli. “Mas é uma oportunida­de única que uma guerra e agora essa doença trazem de mudança, de cada um ficar com o que é mais importante para si.”

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