O Estado de S. Paulo

‘Que fazer?’

- E-MAIL: JRGUZZO43@GMAIL.COM J.R. GUZZO É JORNALISTA E ESCREVE AOS DOMINGOS J. R. GUZZO

Écurioso o que está acontecend­o hoje no Brasil. A cada dia que passa, o presidente da República faz alguma coisa que parece desenhada sob medida para tumultuar o seu próprio governo, como se tivesse certeza de que o pior desastre que pode lhe acontecer é viver quinze minutos de paz. (Neste momento de confusão extrema, acredite se quiser, conseguiu achar espaço para arrumar uma briga com a sua ministra-secretária da Cultura, a atriz Regina Duarte, cuja relevância no meio das calamidade­s atuais oscila ao redor do zero. Justo agora?

Não poderia ficar para um pouco mais tarde? Não: ninguém aqui vai perder uma oportunida­de para sair no braço.) Ao mesmo tempo, as forças que querem tirá-lo de lá antes da hora prevista na Constituiç­ão parecem cada vez mais incapazes de armar uma ação coerente, lógica e eficaz para conseguir isso.

É a velha história da vida política: quando todo mundo diz que “agora não dá mais” e, ao mesmo tempo, não se faz nada de concreto além de falar, é sinal de que ninguém está conseguind­o agir no mundo das coisas práticas. Se realmente não “dá mais”, então por que continua dando? Não se trata de falta de vontade – é falta de meios. Como tantas vezes ao longo da História, a questão se resume na inesquecív­el pergunta de Lenin: “Que fazer?” O Revolucion­ário Número 1 de todos os tempos sabia muito bem que, sem responder a essa pergunta, o Czar continuari­a sentado até hoje no trono da Rússia. Em sua volta, todos faziam os discursos mais devastador­es, ano após ano - e continuava­m no exílio. Lenin, em vez disso, só pensava em sair do exílio e ir para o governo. Não queria ficar indignado. Queria agir.

É o que está faltando hoje para as múltiplas camadas de opositores do presidente Jair Bolsonaro: saber com precisão o que devem fazer para ele sair do Palácio do Planalto antes de 1º. de janeiro de 2023, quando acaba o seu mandato legal na presidênci­a. Nada parece funcionar. Havia muita esperança, por exemplo, no depoimento do ex-ministro Sergio Moro no inquérito que apura as circunstân­cias de sua demissão. Mas depois de oito horas de declaraçõe­s, o que realmente sobrou de concreto foi a afirmação de que ele, Moro, nunca disse que Bolsonaro cometeu algum crime nos quinze meses de relacionam­ento que tiveram no governo. Um ministro do STF proibiu Bolsonaro de nomear um diretor para a Polícia Federal; ele nomeou outro, igual ao primeiro, e ficou por isso mesmo, pois não dá para continuar vetando todos os nomes que o presidente escolher. Esperava-se que o Supremo se unisse para acertar alguma maneira legal de deter ou depor Bolsonaro; mas os ministros não estão de acordo entre si.

A questão, no fim das contas, não é estabelece­r, numa escala de zero a dez, o quanto Bolsonaro é um mau presidente; seus inimigos acham que é onze. A questão é saber quantos dos 513 deputados federais e 81 senadores, exatamente, vão votar a favor de um impeachmen­t – o único caminho disponível para depor o chefe de Estado sem violar a Constituiç­ão, coisa que requer força armada e não é possível neste momento no reino das realidades. A “sociedade” não tem voto aí. Ninguém mais, além dos parlamenta­res, está autorizado a julgar o presidente: ou dois terços dos membros do Congresso concordam em depor o homem, ou ele não sai.

Para quem não quer mais a situação que está aí, a prioridade talvez devesse ser outra - em vez de ficar tentando tirar Bolsonaro agora, que tal começar a trabalhar de verdade para que ele não seja reeleito? O fato é que vai ser preciso ganhar uma eleição em 2022. Se vierem com candidatos parecidos com os de 2018, vamos continuar na mesma.

Opositores não sabem o que fazer para Bolsonaro sair do Planalto antes de 1.º/1/ 2023

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil