‘A minha família não procurou, mas o raio caiu na minha casa’
Parentes de vítimas contam histórias de um luto que parece não ter fim e defendem que se fique em casa
Na família, ninguém escapou da covid-19. A mãe Maristela Andreoli, de 58 anos, foi a primeira a manifestar sintoma: uma dor forte lhe martelava a cabeça sem parar. Logo depois os filhos começaram a tossir, perderam olfato, não sentiam mais o gosto da comida. Até febre e dor no corpo a mais nova teve. Ajudando a cuidar de todos, o pai e empresário Carlos Eduardo Andreoli, de 59, era diabético e adoeceu por último. “Meu marido saiu de casa bem, para tomar insulina, e nunca mais voltou.”
No dia em que o Brasil ultrapassou a marca de 10 mil mortos pelo novo coronavírus, famílias relataram ao Estado histórias por trás do número de vítimas da pandemia. Em comum, demonstram preocupação com desrespeitos às medidas de isolamento social no País e descrevem o comportamento de uma doença traiçoeira que, agora, as obriga a lidar com a ausência de pessoas amadas.
Seis semanas após o sepultamento,
“Não vimos ele morto. Não enterramos. Não fizemos nenhuma despedida. Aqui, a gente reveza: quando um chora, o outro ajuda.”
Maristela Andreoli SOBREVIVENTE DA COVID-19
que só pôde ser acompanhado a distância pela família, Maristela diz que vive a morte de Andreoli diariamente. “A gente não viu ainda nossos familiares, não pudemos abraçar ou ser consolados. Estamos fechados dentro de casa, com todas as lembranças do meu marido, o tempo inteiro. É como se ele tivesse morrido ontem. Todos os dias são iguaizinhos.”
Mesmo com a renda interrompida pelo fechamento de serviços não essenciais, Maristela diz que o isolamento só deve ser flexibilizado quando o número de casos começar a cair. “É muito importante parar essa roleta-russa. A minha família não procurou, mas o raio caiu na minha casa. Podia ser na casa de qualquer um. Ninguém está livre da doença. O que me revolta, hoje, é que estamos esticando esse assunto porque boa parte das pessoas não está nem aí para os outros. Se tivéssemos feito o isolamento direitinho desde o começo, nos resguardando, já poderíamos estar retomando nosso dia a dia”, afirma ela. “Só depende da gente assumir que é nossa responsabilidade parar de transmitir. Por causa dessas pessoas, estamos sofrendo e pagando uma conta muito alta.”
Pelo celular. O sepultamento não demorou mais do que dez minutos. No cemitério em Paulista, no Grande Recife, o empresário Aécio Prado Júnior, de 33 anos, estava sozinho ao lado do caixão do pai, José Aécio, de 80, vítima da covid-19. “Tive de transmitir pelo celular e ficar mandando foto para a minha família: ‘como estava a coroa de flor, gravar o funcionário fechando o túmulo...’ Infelizmente, tive de criar registro daquilo que, normalmente, ninguém quer ficar lembrando.”