Negligência sobre os coronavírus anteriores também atrasa pesquisa
Investigação da Sars ajudou em trabalhos atuais, mas muito parou quando aquela doença foi contida mundialmente
Pesquisadores brasileiros que procuram atualmente um imunizante para o novo coronavírus comentam que, se pesquisas anteriores com outros coronavírus (como Sars e Mers) tivessem avançado, talvez hoje a busca por uma vacina ou um tratamento para a covid-19 estivesse mais avançada.
A vacina de Oxford é um exemplo disso que deu certo, mas muitas outras acabaram sendo paralisadas. “Foram vírus negligenciados, apesar do potencial pandêmico que eles demonstraram em 2002 e 2012. Se tivéssemos entendido esses vírus melhor, talvez estivéssemos mais adiantados agora”, afirma o virologista Thiago Moreno,
da Fiocruz, que investiga o reposicionamento de drogas que têm outros usos para a covid-19. Como essas doenças acabaram contidas antes de se espalharem pelo planeta, as pesquisas foram interrompidas, o que se mostrou um erro. Já há algum tempo a ciência esperava o surgimento de um vírus que tomaria uma proporção pandêmica. E aconteceu. “Mas deixouse de investir na ciência básica que poderia ter nos deixado mais bem preparados”, diz.
Mesmo com o avanço da covi-19, a ciência mais exploratória vem sendo prejudicada. Chamou a atenção no fim de abril o fim de um financiamento dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH) para investigar novos coronavírus em morcegos – provável origem do SarsCov-2. O trabalho, que era conduzido em Wuhan (China), foi terminado por suspeitas infundadas de que o vírus teria escapado do laboratório.
“Hoje sabemos que é o spike (aquelas pontinhas na coroa) que tem de ser neutralizado no Sars-CoV-2 por causa dos estudos com Sars, mas poderíamos saber mais”, afirma Ricardo Gazzinelli, coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Vacinas e pesquisador da Fiocruz e da UFMG. Ele coordena um dos dois projetos de vacina contra o coronavírus no Brasil.