Técnicos ‘experientes’ terão atenção especial na retomada do futebol
Covid-19. Considerados ‘profissionais renomados’, treinadores com mais de 60 anos passarão por exames cuidadosos antes do retorno
No futebol atual, os técnicos dividem o protagonismo com os jogadores – prova disso são os últimos dois “professores” que conquistaram o título do Brasileirão, Luiz Felipe Scolari, com o Palmeiras em 2018, e o português Jorge Jesus, no comando do Flamengo, no ano passado. Essa divisão entre as duas funções continuará sendo assim quando as partidas forem retomadas no Brasil, mas não apenas pelo aspecto esportivo. Afinal, parcela relevante dos treinadores em atividade faz parte dos grupos de risco ao coronavírus. Eles receberão atenção especial quando os campeonatos começarem, com avaliações mais cuidadosas sobre a condição de saúde.
Apenas na Série A do Campeonato Brasileiro, sem data para retorno, são cinco técnicos com ao menos 60 anos, idade que baseia a composição inicial dos grupos de risco. São eles: os estrangeiros Jesualdo Ferreira, Jorge Jesus e Jorge Sampaoli, além de Vanderlei Luxemburgo e Paulo Autuori. Há exemplos em outros campeonatos, como Geninho, à frente do Vitória, com 71 anos. E de veteranos desempregados, como Felipão, Abel Braga e Marcelo Oliveira.
Os casos, porém, não se limitam à faixa etária, incluindo pessoas que possuem asma, diabetes, hipertensão e outros problemas de saúde. É o que acontece com Renato Gaúcho, que está com 57 anos, mas passou por cirurgias cardíacas por causa de uma fibrilação atrial, problema bastante comum a ex-jogadores. Sua condição levou o Grêmio a mantê-lo no Rio, embora o elenco já vinha realizando trabalhos em Porto Alegre antes de o governador Eduardo Leite proibir os times do Estado de retomarem suas atividades. O Inter também treinou na semana. A saúde de diversos treinadores precisará de atenção.
Os protocolos de segurança para a volta do futebol indicam que todos os envolvidos nas partidas vão passar por testes contra o coronavírus para que estejam aptos a treinar e jogar. Os exames para profissionais do grupo de risco deverão ser mais rigorosos e frequentes, como detalha Moisés Cohen, presidente da comissão médica da Federação Paulista de Futebol.
“Dependendo da faixa etária, você pode ser um pouco mais rigoroso na testagem, fazendo o teste do RT-PCR na concentração. E depois de uma semana, dez dias, você faz o sorológico. Aí você vai ter mapeado bem a condição”, explica ao Estado.
Cohen diz, porém, que não existirá regra firme para os profissionais com mais de 60 anos. “Isso precisa ser customizado, não existe fórmula para todos que estão na faixa de risco”, comenta, destacando que há risco inerentes a qualquer processo.
Nos bancos de reservas, os protocolos da CBF e das federações estaduais indicam que os técnicos vão ter de usar máscaras, assim como os profissionais que não estiverem em campo. “Todos serão orientados a
usar máscara, com exceção de quem estiver no gramado: atletas, árbitros e assistentes”, diz Jorge Pagura, presidente da comissão de médicos da CBF.
“Eventualmente, ele poderá usar uma máscara em cada tempo”, acrescenta, sobre um cenário que parece não incomodar os treinadores. “Não seria um problema. É uma medida de segurança, vale para evitar o risco. É a mesma coisa para uso de luvas”, afirma o técnico Geninho.
É provável que exista uma orientação para que profissionais dos grupos de risco não se exponham ao trabalho, incluindo
jogos, no início da retomada das competições, ainda mais que a liberação da volta à rotina será gradual nas diferentes áreas de trabalho da sociedade.
No futebol, isso deve deixar profissionais como preparadores físicos, massagistas e auxiliares com mais de 60 anos fora do banco de reservas. A questão para os treinadores é que eles são profissionais “únicos”, quase insubstituíveis, o que deverá forçá-los a estar à beira do campo. “Esses não têm jeito e precisamos olhar com mais carinho e cuidado”, reconhece Cohen.
O cenário também se complica nos casos de viagens. É possível que haja a recomendação de que profissionais do grupo de risco não façam deslocamentos, especialmente os aéreos, o que deverá ser avaliado a partir do cenário de contaminação de cada cidade. Assim, o trabalho com os times poderia ser remoto. “Dependerá da epidemiologia local, das autoridades do município. Não está liberado? Então vai trabalhar por vídeo. A proibição não é nossa, é dos órgãos de saúde”, destaca Pagura, ressaltando que as decisões dependem do relaxamento ou não das medidas de isolamento.
Mas enquanto a volta do futebol parece um cenário distante, os treinadores aguardam – e trabalham remotamente. Afinal, dos principais clubes do futebol
nacional, apenas Grêmio e Internacional colocaram seus jogadores em campo para treinos, e ainda assim com uma série de restrições nos CTs.
Já os técnicos vêm atuando no planejamento de um futuro, hoje, imprevisível, e se resguardam em casa. É o caso de Geninho, que faz reuniões virtuais com dirigentes e membros de sua comissão no Vitória enquanto segue as medidas de isolamento social na sua residência em Santos. Além disso, prepara
vídeos com instruções táticas para mostrar as jogadores.
“Vão precisar do treinador em campo quando estiver muito próximo da volta, com a realização de trabalhos coletivos. Será na hora que for reunir todo mundo, perto dos jogos”, prevê, apontando que não há necessidade de se expor no reinício das atividades, concentrados nos preparadores físicos, fisiologistas e fisioterapeutas.
Também inserido no grupo de risco, por ter 67 anos, Vanderlei Luxemburgo destaca que a preocupação deveria estar longe de ser apenas com os idosos. “Têm morrido bebês, jovens, tem morrido todo mundo. Pessoal de risco somos todos. O vírus não está aliviando ninguém. Um jovem com doença preexistente é grupo de risco. Não pode estar preocupado só com a gente (de mais de 60 anos). Hoje todo mundo tem de estar preocupado, porque todo mundo pode ser contaminado”, alerta o treinador do Palmeiras.
Mas, ainda que temerosos no cenário inédito, os técnicos torcem pelo retorno do futebol, com saudade da rotina enquanto passam por esse período de reclusão. “Todo mundo vai voltar com um pé atrás”, admite Geninho. “Estou nesse meio há tempo, sonhei com isso, a gente sente falta da rotina, que é ativa”, diz o técnico do Vitória.