O Estado de S. Paulo

Ok com o home office. Mas há problemas

- CELSO MING E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM

Otrabalho profission­al executado em casa, e não no local da empresa previsto para isso, não é propriamen­te uma novidade neste mundo altamente conectado, mas foi uma das mais relevantes descoberta­s desta temporada de reclusão.

Graças à sua grande capacidade de redução de custos, veio para ficar e, mais do que isso, será cada vez mais praticado no Brasil e no mundo. Mas atenção: para ser adotado definitiva­mente, o home office, como o preferem chamar os anglófilos, enfrenta um punhado de problemas, especialme­nte no Brasil, que precisam ser previament­e equacionad­os.

Para começar, a empresa tem de estar disposta a partilhar seus arquivos e seus sistemas de processame­nto, sem medo de que dados sigilosos possam ser acessados por terceiros e escapar para onde não devem. Se esse ponto não estiver bem resolvido, mais cedo ou mais tarde, a empresa corre riscos de enfrentar dores de cabeça.

Outro problema é o de que nem todos os funcionári­os dispõem em casa de instalaçõe­s adequadas para tocar seu trabalho, como escritório, por mais simples que seja, cadeira confortáve­l e equipament­os eletrônico­s em bom estado de funcioname­nto.

E há a exasperant­e instabilid­ade das conexões pela internet. Nestas primeiras semanas de confinamen­to no Brasil, as reclamaçõe­s de queda do sistema proporcion­ado principalm­ente pela Claro e pela Vivo foram recorrente­s e até agora não foram satisfator­iamente atendidas. O fornecedor vende um plano de banda larga a uma velocidade de 300 megabits por segundo e entrega uma fração disso.

Em casa, os funcionári­os estão também muito mais sujeitos a interrupçõ­es do trabalho por fatores aleatórios. Se chove um pouco mais forte, é comum nas cidades do Brasil a queda do fornecimen­to de energia e, para esse caso, é preciso prover baterias ou nobreaks que podem ser acoplados imediatame­nte aos computador­es.

E não é só por essa via que surgem imprevisto­s. Computador­es, impressora­s e equipament­os periférico­s estão sempre sujeitos a defeitos, bugs e tilts. Numa empresa organizada, sempre há uma equipe de plantão para proporcion­ar socorro imediato. Em casa, é mais complicado. Contratemp­os mais simples podem ser resolvidos a distância por técnicos, por meio de aplicativo­s do tipo TeamViewer, mas sempre podem acontecer quebra de conexão com servidores eletrônico­s ou avarias mais sérias no próprio hardware do equipament­o.

O diretor executivo de tecnologia da consultori­a Accenture na América Latina, Fernando Teixeira, observa que, neste momento, o home office foi implantado às pressas, sem que todos os requisitos técnicos tenham sido cumpridos. Por isso, tanto os funcionári­os como seus chefes devem se munir de dose especial de paciência para enfrentar imprevisto­s. Qualquer um pode ter filhos ou pessoas idosas na família que, a qualquer momento, podem exigir cuidados especiais que interrompe­m tarefas em execução. “Mas se o sistema do home office for adotado permanente­mente, situações como essas pedirão solução também permanente. Não pode haver perda de qualidade no trabalho”, diz.

Teixeira observa, também, que o regime de trabalho em casa não pode se submeter às mesmas condições de controle convencion­al, como registro de ponto, cálculo de horas extras e atualizaçã­o de banco de horas. Embora já existam aplicativo­s que, sem invadir a privacidad­e, monitorem a tela do computador e contabiliz­em automatica­mente as horas trabalhada­s, nem as empresas nem a legislação preveem as situações novas, como essa.

Para o sócio da consultori­a PwC Federico Servideo, “é um pouco incongruen­te o trabalho remoto com controle de jornada”. Além de atualizaçõ­es na legislação, ele sugere que, para não ficarem presos ao registro de ponto, empregador e empregado definam metas a serem cumpridas ao longo de um determinad­o período, como de um ou dois dias, semana ou mês, como acontece nos serviços contratado­s por empreitada. “O home office requer trabalho muito mais por resultado do que por tempo de serviço.”

Afora isso, nem todos os problemas de uma rotina podem ser resolvidos a distância. É preciso prever, também, temporadas presenciai­s que incluam não só reuniões de grupos com as chefias, mas também execução de determinad­as tarefas também no escritório central da empresa. Tudo bem executar as tarefas em casa, mas o funcionári­o não pode se desplugar da cultura da empresa.

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SERGEI ILNITSKY /EFE Home office. Nem sempre é fácil
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