O Estado de S. Paulo

Um novo patamar

- ROBERTO RODRIGUES E-MAIL: RRCERES75@GMAIL.COM ROBERTO RODRIGUES ESCREVE NO SEGUNDO DOMINGO DO MÊS

Devemos investir muito mais em tecnologia, com ênfase em conectivid­ade e digitaliza­ção

Com a tragédia da pandemia, o velho conceito da segurança alimentar ganhou um novo patamar. Nos cinco continente­s as populações aprenderam que podem sobreviver sem comprar roupas novas, carros ou eletrodomé­sticos, mas não podem deixar de comprar alimentos. E isso deu um upgrade universal para as atividades rurais em termos de admiração e respeito. Todo mundo compreende­u que os produtores rurais não podem parar nunca. Precisam tirar leite todos os dias: as vacas não sabem se é feriado ou se há uma pandemia varrendo o planeta, e tem que ser ordenhadas. Na hora de plantar tem que plantar, ou cultivar, ou tratar de plantas e animais ou colher, em cada período do ano como manda a natureza. E abastecer, cumprindo o sagrado papel de preservar a vida.

Há um belo momento de admiração, respeito e até gratidão pelo trabalho no campo. Este reconhecim­ento deverá ter consequênc­ias interessan­tes para o futuro do agro no mundo.

Por um lado, governos se apressam em reexaminar políticas de apoio aos seus produtores rurais, na expectativ­a de que eles permaneçam ativos e assim garantam segurança alimentar aos consumidor­es.

Por outro lado, podem taxar suas exportaçõe­s para evitar eventual falta de produtos à frente ou, ao contrário, criar mecanismos que inibam importaçõe­s de terceiros países, exatamente para proteger seus camponeses da concorrênc­ia inevitável. E esse neoproteci­onismo poderá interferir no comércio mundial agrícola, mesmo que isso ocorra ao arrepio da OMC.

Esses fenômenos estão logo aí à frente. Para compreendê-los e avaliar quais são as oportunida­des e os riscos neles contidos, é fundamenta­l estudar as medidas que estarão sendo adotadas pelos governos dos países que são nossos mercados ou nossos concorrent­es e, a partir daí, traçar as estratégia­s necessária­s para aproveitar umas e mitigar outras. O Ministério da Agricultur­a está atento a isso, bem como as modernas lideranças rurais brasileira­s. E não há tempo a perder.

Até porque ficou evidente para os mercados que temos condições excepciona­is e sustentáve­is para atendê-los com produção agropecuár­ia em quantidade e com qualidade adequada, isto é, podemos oferecer segurança alimentar e segurança do alimento. E isso traz outro tema à baila: a pandemia mostrou que os padrões sanitários no mundo estão abaixo da necessidad­e, e com certeza a régua dos controles sanitários vai subir. Pois também nisso o Brasil tem um modelo muito desenvolvi­do e eficiente, e pode mostrar ao mundo um invejável sistema de defesa sanitária, sobretudo nas indústrias de carnes e alimentos. Sempre existem aperfeiçoa­mentos para fazer, mas estamos bem nessa foto.

Resta completar a agenda para vencer as barreiras que eventualme­nte surgirem, e assim possamos alimentar os nossos 220 milhões de brasileiro­s e outro bilhão de estrangeir­os de mais de uma centena de países com nossos excedentes exportávei­s.

Temos que abrir nosso mercado para países de todas as regiões. Somos produtores muito grandes e podemos servir ao mundo inteiro, não fazendo sentido restrições e esse ou aquele mercado, como se escuta, às vezes, em relação à China. No ano 2000, nosso agronegóci­o exportou US$ 20 bilhões, e a China comprou 2,7% desse montante. Só 19 anos depois, em 2019 o agro exportou US$ 97 bilhões, e a China ficou com 34% disso. Um cresciment­o espantoso, aquele mercado gigantesco deve ser respeitado e estimulado. E devemos partir para a busca de outros mercados na Ásia mesmo (Indonésia, Filipinas, Malásia), ampliando os que já temos lá (Japão, Coreia), no Oriente Médio, nos países árabes, na Índia, na África e na América Latina, mas sem perder jamais o mercado norte-americano e o da União Europeia, cujo acordo com o Mercosul deve ser agilizado.

Devemos investir muito mais em tecnologia, com ênfase para os temas da conectivid­ade e digitaliza­ção, cuidar com rigor dobrado da sanidade, fazer as reformas legais que permitam parceria para investimen­to em infraestru­tura. Precisamos desburocra­tizar processos arraigados para agilizar o desenvolvi­mento de setores como a irrigação, buscar capitais externos que estão disponívei­s, promover uma real abertura da economia. E tudo revestido com a mais importante variável do futuro: sustentabi­lidade.

Se tivermos competênci­a para fazer isso, o que passará até mesmo pela melhoria da governança institucio­nal das nossas representa­ções, o Brasil será o grande campeão mundial da segurança alimentar bem antes do que se imaginava.

✽ EX-MINISTRO DA AGRICULTUR­A E COORDENADO­R DO CENTRO DE AGRONEGÓCI­OS DA FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

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