Mercado de games é superaquecido com isolamento
Coronavírus faz crescer demanda por jogos; no País, das 375 empresas do setor, 96,8% são de pequeno porte
Pode causar surpresa, mas há um segmento que está passando pela crise econômica gerada pelo novo coronavírus sem prejuízos: a indústria de games. De acordo com a Superdata, empresa do grupo Nielsen, os gastos feitos por consumidores do mundo todo com jogos digitais em março deste ano atingiram a cifra de US$ 10 bilhões, o maior total mensal de todos os tempos e um reflexo direto do isolamento social colocado em prática em boa parte do mundo.
Os principais dados mostram que a receita de jogos para console aumentou 64% de fevereiro a março deste ano (de US$ 883 milhões a US$ 1,5 bilhão), enquanto a receita de jogos para PC (computador) aumentou 56% durante o mesmo período (de US$ 363 milhões a US$ 567 milhões). Já a receita de jogos para celular cresceu 15% em relação ao ano anterior e atingiu US$ 5,7 bilhões no mundo todo
Os dados globais não mostram apenas o potencial do setor, mas também apontam a principal característica dele: games são produtos que nascem de forma internacional. Jogar não requer idioma. Além disso, o game que você comprou pode até ter sido lançado por uma empresa norteamericana, mas ele certamente passou pelas mãos de desenvolvedores, animadores, criadores e demais profissionais de qualquer lugar do mundo.
No Brasil, essa indústria é composta em sua imensa maioria por PMEs (pequenas e médias empresas). Das 375 empresas do ramo no País, cerca de 96,8% têm faturamento abaixo de R$ 3,6 milhões, segundo o II Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais realizado pela Associação Brasileira de Games (Abragames), em 2018. Com modelos de negócios diversos, as PMEs nacionais corroboram os dados globais, com lançamentos de novidades feitos durante a pandemia do coronavírus e aumento de receita também devido à alta do dólar (que ultrapassou a cotação de R$ 5), principal moeda em que ocorrem as transações comerciais do setor.
Modelos de negócios. Para ganhar agilidade e escala, grandes estúdios contratam pequenas empresas para produzir e desenvolver etapas de um novo jogo ou versão de um já publicado, por exemplo. Outro ponto importante é que criar um game a distância, sem necessariamente ir todos os dias a um estúdio, é uma realidade do mercado. Há empresas em que os funcionários já trabalham de suas casas, muito antes de a pandemia exigir a adoção do home office.
De acordo com o diretor da Abragames Fernando Chamis, as empresas que trabalham com jogos de entretenimento estão ganhando mais no período. “Para aquelas que têm jogos recém-lançados, há um benefício.
Com muita gente em casa, o número de jogadores aumenta. Consequentemente, as empresas estão ganhando mais, seja com a venda do jogo, de itens dentro do jogo, com a exibição de anúncio (se tem mais gente jogando, tem mais anúncio exibido). No Brasil, com o dólar mais alto, as empresas estão ganhando mais dinheiro ainda porque as vendas e o pagamento de visualização dos anúncios são feitos na moeda”, diz ele.
O diretor ainda pontua que o cenário atual traz novas oportunidades. “Para empresas que estavam passando por dificuldades antes desse período, pode ser uma oportunidade de se reinventar. A demanda por jogos corporativos, para promover a integração de equipes a distância, aumentou”, explica. Dono do estúdio WebCore, Chamis completa que em sua empresa a demanda de companhias que buscam orçamentos para fazer jogos internos cresceu quatro vezes.
O trabalho remoto, lembra Chamis, é uma realidade do setor. “A produção de um game não para, diferentemente da de um filme. Não afeta em nada você desenvolver um game em casa. Já existem empresas que trabalham 100% remotas”, diz.
No mercado de games, o estúdio pode desenvolver o jogo do início ao fim e ainda publicá-lo, ficando com 100% da receita, ou criar o game e encontrar uma publicadora para lançá-lo no mercado. A demanda também pode partir das publicadoras, que buscam estúdios para criar algo específico. Por fim, muitos estúdios atuam em external development, que é o desenvolvimento de etapas específicas de um game.
É o caso do Flux Games, de São Paulo. Há oito anos no mercado, os primeiros três anos da empresa foram focados no desenvolvimento de jogos eletrônicos por encomenda. O CEO Paulo Luis Santos conta que a empresa decidiu, em 2014, focar no mercado internacional de jogos de entretenimento. Em 2015, já tinham clientes na Holanda, na Alemanha e na Argentina, entre outros países. Em 2020, a expectativa é que a receita venha de 90% da exportação de trabalhos.
“Não tem muito sentido a empresa mirar no mercado local a não ser que ele tenha uma particularidade muito grande. A regra é criar uma propriedade intelectual que possa ser comercializada no mundo inteiro”, diz. Sobre a atual crise, ele acredita que o momento é oportuno. “É um mercado que atravessa crises com bastante sucesso. É o que a gente está vivendo agora. Há visibilidade para quem já tem produtos ou está lançando.”
O trabalho mais recente que o Flux realizou foi uma cena brasileira para o game Avakin Life, que em 2019 atingiu a marca de 1 milhão de usuários ativos por dia. Publicado por uma empresa do Reino Unido e popular no Brasil, o jogo queria contemplar os brasileiros. “Criamos uma cena com roda de samba e baile funk, representando a vida noturna no Sudeste.” A cena entrou no jogo no fim de abril.
Sobre a folga orçamentária que a crise cambial gerou no setor, Santos diz que isso fez com que ele abrisse quatro vagas de trabalho no estúdio.
Mundo afora. Uma prova de que nascer internacional é a melhor forma para se estabelecer nessa indústria vem de Rodrigo Carneiro, CEO do estúdio Puga, em Recife (PE). Fundada em 2013, a empresa quebrou três anos depois. “Afunilamos o escopo da empresa e de jogadores.
Fizemos um game para o Esporte Clube do Recife. Na época, poderíamos ter atacado o mundo, mas atacamos o Brasil, pessoas de Pernambuco, que são torcedores do Esporte Clube do Recife e, por fim, do time de basquete.”
Em 2017, a empresa decidiu retomar as atividades com a exportação de serviços e, de acordo com Carneiro, a Puga renasceu com força um ano depois, em 2018. O resultado é que, em meio a uma pandemia, a empresa já superou o faturamento de 2019. A Puga já exportou serviços para Bélgica, Canadá, EUA, Inglaterra, entre outros.
“Nesse momento, o mundo demanda produtos de entretenimento. Quem tem projeto para ser lançado agora vai ter uma vantagem comercial absurda, pois as plataformas de publicação estão batendo recorde de usuários jogando e de vendas”, diz ele.
Promover lançamento em meio a uma pandemia parece loucura? Não para os sócios do Arvore, que cria conteúdos imersivos e games de realidade virtual. O estúdio é o responsável pelo game Pixel Ripped 1989, um hit do segmento. No dia 23 de abril, eles lançaram a segunda versão do game, o Pixel Ripped 1995.
O sócio Rodrigo Terra diz que o cenário para o Arvore, no entanto, é diferente neste período, por causa do home office. “A realidade virtual não existe sem a física. Por mais que a gente crie um produto digital, a gente depende do espaço físico. O desenvolvedor tem que colocar os óculos de realidade virtual e se mexer na cadeira, levantar, subir, andar. Faz falta o espaço físico em determinadas etapas do processo”, explica.