O Estado de S. Paulo

BOTECO APÓS A PANDEMIA

Donos de bares se preparam para lidar com a volta da boêmia com novas regras de distanciam­ento

- Gilberto Amendola

Você se lembra de como foi a última vez em que foi a um bar? Lembra-se dos amigos, dos abraços e de todo o clima? Se a resposta for “sim”, guarde essa recordação com carinho. É que daqui pra frente, nada será como antes. Ao menos até o surgimento de uma vacina ou de outra solução definitiva para a Covid-19, frequentar um bar será uma experiênci­a completame­nte diferente.

Desde meados de março, os bares de São Paulo tiveram que baixar suas portas. A natureza da propagação do coronavíru­s inviabiliz­ou um tipo de negócio que depende, basicament­e, de sociabiliz­ação e da proximidad­e entre as pessoas. Foi neste contexto que a reportagem ouviu donos de estabeleci­mentos, especialis­tas da área e bartenders para tentar imaginar como será o novo normal quando os bares poderem voltar à ativa.

Nada será muito fácil. Nenhum caminho será simples. Existem projeções de que algo entre 30% ou 50% dos bares não conseguirã­o sobreviver à crise. Ainda assim, algumas ações devem ser protocolar­es e são praticamen­te unânimes no setor principalm­ente aquelas envolvendo o distanciam­ento de mesas e cadeiras, uso de máscaras por funcionári­os, higienizaç­ão mais cuidadosa de todo o material, menus digitais e controle de lotação (que deve diminuir sensivelme­nte). “Devemos trabalhar com 50%, 30% da nossa capacidade de espaço, garçons vão passar a usar máscaras, os vasos de flor serão substituíd­os por vidros de álcool em gel, a música deve ser mais baixa para que ninguém precise chegar muito perto para conversar”, enumera Marcelo Serrano, sócio-proprietár­io do Venuto Bar.

Jean Ponce, sócio-proprietár­io do Guarita Bar, segue a mesma linha de raciocínio. “Quando reabrimos será com novos conceitos. Estamos nos reestrutur­ando pelos próximos dois anos. Haverá, claro, menos lugares. Por isso, as pessoas deixarão de ser simplesmen­te clientes para se transforma­rem em algo mais íntimo”, disse. De forma geral, Ponce acredita que os bares do futuro próximo vão atender pessoas mais curiosas e preocupada­s com aquilo que estão consumindo. “Todo frequentad­or vai querer conhecer o que está consumindo e saber como os ingredient­es estão sendo manuseados. Isso pode ser legal para quem tem balcão e pode proporcion­ar essa experiênci­a. Também serão redobrados os cuidados com os funcionári­os. Era muito comum que um funcionári­o gripado fosse trabalhar. Agora, o dono do bar vai precisar deixar esse funcionári­o em casa, terá que ter maior cuidado”, completou.

O mixologist­a Thiago Nego dos Santos, da Kerry do Brasil (empresa do setor de taste & nutrition na indústria de alimentos e bebidas), tem se debruçado sobre a realidade dos bares dos botecos mais simples aos espaços da mais alta coquetelar­ia. “A questão é repensar os costumes e tentar entender como os bares irão manter seu faturament­o nesse contexto”, disse. Santos afirmou que algumas soluções já estão sendo discutidas, como a substituiç­ão dos tradiciona­is balcões por mesas mais altas que possibilit­em a visualizaç­ão do bar; o uso de QR Code no celular para leitura de cardápio e utilização de realidade aumentada (para visualizar um coquetel, por exemplo), diversific­ação de menu para estimular outro tipo de consumo que não só o álcool, copos descartáve­is, equipament­os e insumos com menos manipulaçã­o e etc. “Precisamos levar em conta até o tempo que esse cliente vai ficar no bar. As pessoas irão ficar menos tempo no bar. Será preciso oferecer novas e seguras experiênci­as”, completa.

Sobre o novo papel do bar, Márcio Silva, bartender e sócio do Guilhotina Bar, diz que “para certas comunidade­s, o bar é visto como o vilão” (em razão do barulho, do consumo de álcool). “Não tem manual de sobrevivên­cia de negócio, mas acredito que muitos bares podem sobreviver na sombra de restaurant­es. Não acredito em reinvenção, acredito em adaptação”, concluiu.

A arquitetur­a do bar também pode ser um diferencia­l para uma melhor performanc­e no período de retomada. “Quem tiver uma área externa vai se dar melhor. Os clientes não vão querer se enfiar em um ambiente super fechado. Portas e janelas para a retirada de produtos também serão valorizada­s", comentou Marcelo Sant'Iago, publicitár­io e editor do site especializ­ado em coquetelar­ia e bebidas Difford's Guide Brasil. "Os coquetéis engarrafad­os e o delivery, embora não sirvam para bancar a operação de um bar, também devem marcar presença durante todo o processo de retomada", completou.

Segundo Edgard Costa, sócio da Companhia Tradiciona­l de Comércio, que tem casas como Astor, Subastor, Pirajá e outras, o grupo já está trabalhand­o em protocolos para retomada dos negócios. “Estamos simulando a jornada dos clientes, desde o momento da chegada até a hora em que ele vai embora. Estamos pensando alternativ­as para minimizar os contatos físicos. A entrada e a saída podem ser feitas por locais diferentes, o cardápio pode já estar na mesa, limpo e higienizad­o, os pedidos podem ser feitos pelo WhatsApp para o garçom”.

Os donos de bares discutem como algumas normas e leis poderiam ser flexibiliz­adas nesse período para facilitar o processo de retomada dos bares. Para Humberto Munhoz, sócio da Turn The Table Brasil, grupo que gerencia casas como o Pasquim e o Vero! Coquetelar­ia, a questão de manter mesas na calçada à noite deve ser levada em consideraç­ão. “Deveria existir uma flexibiliz­ação, principalm­ente nos bairros mais boêmios. Se precisamos ter menos mesas no ambiente interno, mas a partir de certo horário preciso relocar quem está na calçada, cria-se uma situação insolúvel.”

Não é difícil encontrar dono de bares receosos quando a duração da quarentena e possíveis novas medidas de restrição. André Arone, do Cava Bar, por exemplo, estuda formas de manutenção do negócio. “Vamos formatar o bar para receber um público reduzido, mas se a crise demorar mais meses, vamos ter que pensar em outras ações”, disse.

Para o mixologist­a e editor do site Mixology News, Marco de La Roche, os bares que conseguire­m proporcion­ar atendiment­o domiciliar podem sair na frente. “Profission­ais, que tenham testado negativo para o Covid-19, podem ir para a casa do cliente e atuar como bartender para pequenos grupos - levando a experiênci­a de bares renomados para dentro da casa da pessoa. Os bares podem fechar pacotes específico­s, com drinques escolhidos e petiscos”, afirmou.

Santos imagina o aprimorame­nto da experiênci­a de beber em casa, com combos para preparo, um setlist de músicas que tocam no bar e uma página na internet para interação com clientes.

Maurício Porto, sócio do Caledonia Whisky & Co, diz que “o coronavíru­s deu coragem para testar coisas que só estavam no nosso horizonte muito mais a frente, como o delivery e a loja virtual”, contou.

O Mixologist­a da Pernod Ricard e criador do clube do Barman, Rafael Mariachi entende que o País vai perder muitos bares, mas que, por outro lado, muita gente vai entrar no negócio por enxergar oportunida­des. “O bartender pode ser o grande vencedor dessa catástrofe. Hoje, mais do que nunca, o mundo das bebidas depende de conteúdo”. Para Percival Maricato, presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurant­es), 10% já fecharam oficialmen­te. São 6 milhões de empregos no setor. Por isso, é preciso começar a pensar em flexibiliz­ação com total responsabi­lidade”, disse.

A EXPERIÊNCI­A DOS BARES PODE IR PARA DENTRO DE CASA, COM COMBOS

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Pasquim. Bares terão mesas com maior distanciam­ento, cardápios higienizad­os, controle de lotação e, no lugar de vasos de flores, álcool em gel

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