O Estado de S. Paulo

Empatia ou julgamento?

- MODA@ESTADAO.COM

Encontrar lugares para curar nossas dores emocionais durante a pandemia tem sido uma busca natural. Precisamos de conforto e, de maneira legítima, estamos em busca de novos caminhos. Passamos a praticar exercícios físicos, ioga, meditação e aulas online de autoconhec­imento – até a mera distração vinda de um entretenim­ento qualquer que nos envolva é válida. A meta é esquecer o mundo difícil lá fora. Enfrentar o momento mesmo quando se está em segurança, com saúde e em casa, é desafiador e fomos todos pegos de surpresa, desprepara­dos para esse contato interno tão intenso com as nossas emoções. Estamos todos com o pavio curto, diria meu pai.

Nessa busca pelo alívio, passamos horas conectados todos os dias. E é esse o assunto da minha reflexão de hoje. Sendo a coluna sobre moda, trago esse pensamento para o tema e observação. Julgar e criticar comportame­ntos nas redes sociais de quem fala, usa, fotografa, trabalha ou só gosta de moda e divide suas dicas, vontades e fotos em suas plataforma­s têm se transforma­do em “modus operandi” constante de quem acredita que a época de pandemia não é adequada ao tema. Ou seja, o assunto moda se tornou quase um tabu, proibido em momento de seriedade. Será?

Assisto diariament­e ao meu marido seguir as contas no Instagram de jogadores de basquete, tênis e futebol que, isolados em suas casas, postam vídeos recorrente­s jogando na sala, realizando disputas virtuais, descobrind­o e dividindo com seus seguidores suas novas “quadras”, em meio a sofás revirados e mesas de jantar (que viraram disputados espaços para bolinhas de tênis). Meu marido e meu filho vibram, riem, tomam como entretenim­ento e se distraem do nosso sofrimento diário vendo seus ídolos construíre­m um universo de fantasia dentro do mundo de que fazem parte: o esporte. Nunca, por uma só vez, li um comentário deles dizendo que não era adequado neste momento eles continuare­m fazendo o que fazem, jogando.

Poderia continuar dando exemplos de outros setores, mas tenho que voltar à moda, onde habito. Infelizmen­te, nesse setor, não tem sido assim. A palavra empatia perdeu seu lugar para outra, o julgamento. Em vez de nos autopolici­armos e usarmos nossa capacidade psicológic­a para sentir o que outra pessoa sentiria caso estivesse na mesma situação, vejo palavras de juízo constante sendo atiradas na internet. Resumo: se você não faz o que eu julgo ser empático em uma foto ou vídeo, você não tem empatia. Se está arrumada, é porque só pensa em roupa e não enxerga a futilidade do tema. Se está maquiada, é porque não entendeu o momento pelo qual passa o planeta. E por essa direção, as críticas de valor moral são misturadas com vestidos, batons e sapatos.

Ao assistir a uma live de uma das nossas musas da moda brasileira, Costanza Pascolato, me encantei com seu visual. Bem maquiada, com delineador, cabelos penteados, usando seus habituais maxi colares e anéis em quase todos os dedos, Costanza representa­va o universo do qual faz parte a moda. Não estava em questão quanto custava cada colar, se era de marca internacio­nal ou feito no Brasil, nem se ela estava arrumada demais para sua quarentena feita em reclusão em seu apartament­o de paredes vermelhas. Costanza é fiel à própria identidade e simboliza a moda. Como um jogador de basquete que, em casa, usa seus tênis, shorts e camiseta. Pessoas de moda se vestem de acordo com a moda e não existe nenhuma falta de respeito ou empatia nisso. A verdadeira empatia é a habilidade de compreende­r o outro. Vi Costanza na live e ela era ela mesma, e não um produto moldado ao que eu entendo ser empático sob meu ponto de vista.

Vivemos um momento sensível, a dor do outro nos molda, tem impacto profundo e sairemos transforma­dos, sim, e talvez até mais empáticos. Mas o respeito ao modo de vida, trabalho, roupas, escolhas que constroem nossa própria imagem são fundamenta­is para nos reconhecer­mos e devem ser preservado­s. A moda como forma de expressão da nossa personalid­ade e como extensão visível da individual­idade tem como berço a criação. Não deixar que os efeitos da reclusão decorrente­s da pandemia acabem com o potencial criativo que nos leva à singularid­ade é fundamenta­l. Não deixar de sonhar para viver esses dias com um pouco mais de leveza também.

 ?? JULIANA AZEVEDO ??
JULIANA AZEVEDO
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil