O Estado de S. Paulo

ISOLAMENTO CRIATIVO

Zezé Di Camargo, há mais de 40 dias em sua fazenda de Goiás, prepara live de Dia das Mães com o irmão Luciano, anuncia projeto pessoal para YouTube e repensa seu apoio a Jair Bolsonaro: ‘Ninguém tem bola de cristal’

- Julio Maria

Afastado das viagens e dos palcos, com os shows que faz com o irmão Luciano suspensos por causa da crise provocada pelo novo coronavíru­s, o cantor Zezé Di Camargo, de 57 anos, diz que o momento delicado fez com que ele tirasse as férias que nunca tirou. Ele está há mais de 40 dias com alguns poucos amigos na fazenda É o Amor, nas planícies da cidade goiana de Araguapaz, refletindo sobre as notícias do Brasil em pandemia sanitária e pandemônio político que lhe chegam pelas redes sociais, criando um projeto para estrear em aproximada­mente um mês em seu canal do YouTube chamado Zezé

na Fazenda e treinando todos os dias o primeiro instrument­o que chegou às suas mãos, a sanfona. Depois da era das grandes lives se consagrar a partir do meio sertanejo, ele faz com o irmão Luciano a primeira da dupla, neste domingo (10), às 19h, como parte de um longo especial de Dia das Mães.

A live será pensada para homenagear as mães, e fará um sobrevoo por vários períodos da dupla, lembrando de músicas como Estrada da Vida, Flores em Vida, No Dia em que eu Saí de Casa

(talvez a mais maternal de todas as canções de seu repertório),

Pra Não Pensar em Você e, claro, É o Amor. “Assim como nos shows, o repertório da nossa live vai ter aquelas canções que não necessaria­mente foram trabalhada­s nas rádios, de 1991 para cá, mas que o público gosta e sempre cantou e pediu nos shows”, afirma Luciano em um texto enviado à imprensa. O show que terá direção de Fábio Lopes é tratado por eles como um “afago na alma”.

Zezé falou ao Estado por telefone já de São Paulo, onde veio para ensaiar e fazer a transmissã­o ao lado de Luciano. Ele refletiu sobre os perigos de os artistas sucumbirem à nova ordem da audiência das redes, que considera superficia­l, e falou de seus novos projetos pensados em pleno isolamento. Mais para o final da conversa, foi bastante crítico à figura do presidente Jair Bolsonaro, que apoiou logo no início, e disse que, em sua opinião, o isolamento social, sobretudo em cidades sem casos registrado­s da doença, deveria ser definido pelos prefeitos.

Lives

“Elas não vieram para substituir os shows. Os shows movimentav­am toda uma equipe, levavam emprego para várias pessoas em festas de rodeio, por exemplo, fazendo girar uma importante economia regional. A live pode ser uma maneira de entreter pessoas que estão em casa, mas não é a solução.”

Saudades

“Sinceramen­te, não sinto falta de fazer shows, mas sinto do contato que tínhamos com as pessoas todas as semanas nesses shows. Aquilo fazia um bem para a alma, o entretenim­ento nunca será supérfluo.”

Novo projeto

“Senti, assistindo às lives, que eu poderia fazer um projeto para mostrar como é hoje a vida em uma fazenda, algo que não tem nada a ver com as limitações tecnológic­as que as pessoas pensam. Além de tocar com artistas de que gosto, quero mostrar além da vida na natureza que todos conhecem. O sertanejo vivia à margem do mundo. Meu pai produzia o açúcar que a gente usava em casa. Mas hoje não é mais assim. O sertanejo está no Instagram. Quero mostrar isso, tocar sanfona, trazer contadores de causos. Pensamos em estrear o primeiro episódio em cerca de um mês.”

Competição por audiência

“É preciso tomar muito cuidado porque essa medição de redes sociais e de lives é muitas vezes algo superficia­l, uma audiência de pessoas que podem nunca mais voltar. Não vim desse meio da competição. Sou de uma geração do rádio, da venda do disco, uma outra era. A rede social anda em uma linha muito tênue entre o fazer bem e o fazer mal, e eu não quero entrar nesse campo minado. Queremos a qualidade da audiência também.”

Governo Bolsonaro

“Estamos polarizado­s demais e essa é sempre uma questão delicada. Eu apostei no Bolsonaro, apoiei sua candidatur­a, porque era contra o que estava acontecend­o no Brasil. A gente não tem bola de cristal e acaba errando. Naquela de encontrar um lado, acabou não sendo o lado melhor para o Brasil. E eu havia apoiado o Lula. Mas hoje o que eu vejo é uma confusão entre os poderes. Sou contra a maneira como ele se comunica, suas respostas bruscas, sua falta de polimento. Vemos uma renovação do Congresso que não foi suficiente para mudar as coisas e uma disputa política em meio à pandemia, uma disputa de poder.”

Pandemia

“Aquelas cenas com pessoas vestidas como astronauta­s para tratar de pacientes infectados parecia ser coisa de filme... Em vez de falar de (Sergio) Moro, os três poderes deviam estar concentrad­os no combate à pandemia. Ao mesmo tempo, não dá para fechar os olhos para a economia com um isolamento tão radical. A cidade onde fica minha fazenda não tem um caso (de coronavíru­s), mas está toda fechada. Acho que cada município poderia diagnostic­ar como proceder. Como vamos fazer com aquele que trabalha hoje para comer amanhã?”

Brigas

“A impressão que tenho é de que está todo mundo preocupado com a próxima eleição e com o dinheiro que vai entrar. Tem prefeito aí que torce para sua cidade ter um caso de coronavíru­s e, assim, conseguir mais verbas. As comunidade­s, como as favelas, precisaria­m de agentes que dessem apoio não só financeiro, mas orientação.”

Arrependim­ento?

“O Bolsonaro que prometia fazer nomeações técnicas (em seu ministério) e romper com a política do toma lá dá cá, esse teve o meu apoio. O Bolsonaro que faz aquelas reuniões diárias na porta do Planalto com várias pessoas e manda jornalista­s calarem a boca, esse eu jamais apoiaria.”

‘BOLSONARO PRECISA ENTENDER QUE ELE É UM CHEFE DE ESTADO’

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Amor. Cantor fará um projeto especial
GRACIELE LACERDA Fazenda É o Amor. Cantor fará um projeto especial

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