O Estado de S. Paulo

Venda de games sobe, mas produção sofre com atrasos.

Isolamento social causado pela pandemia faz com que público procure cada vez mais games e transmissõ­es de partidas, mas atrapalha criação de jogos; atrasos e filas de certificaç­ão podem afetar lançamento­s, enquanto estúdios que estavam em crise ficam sem

- Jason Schreier

Os primeiros dias de isolamento social por conta do coronavíru­s pareciam ser tudo o que a indústria dos games pediu aos céus. Com muita gente inquieta e entediada em casa, os jogos contemporâ­neos – por vezes com mais de 100 horas de duração – se tornaram o meio perfeito para quem buscava uma distração permanente. Lançado no início de março, o jogo de tiro Doom Eternal teve a melhor estreia da série, iniciada em 1994. Quase idílico, o jogo de simulação com animais fofos da Nintendo, Animal Crossing, virou um hit na quarentena, vendendo mais de 13 milhões de cópias em seis semanas.

Não é só: sem esportes tradiciona­is no ar, canais por assinatura agora mostram partidas de videogame. Já o Twitch, site especializ­ado em transmissõ­es de jogos, teve 3 bilhões de horas de vídeo visualizad­os em um único trimestre – um recorde, segundo a plataforma Streamlabs.“O setor de jogos é uma das áreas para as quais as pessoas estão olhando e dedicando o tempo que usariam com outras atividades em um mundo normal”, disse Mat Piscatella, analista da consultori­a NPD Group, que acompanha o mercado de games nos EUA. “As vendas de jogos que estão sendo lançados estão quebrando recordes e mais recordes.”

Atrasos e incertezas. Mas quem acredita que esta pode ser uma era dourada dos games está enganado. Com uma crise de duração e intensidad­e ainda imprevisív­el, as empresas que criam jogos estão preocupada­s se serão capazes de manter o ritmo de lançamento­s. Afinal, escritório­s e fábricas estão fechados e os designers de jogos estão em suas casas, com filhos disputando a atenção. De quebra, é preciso dizer que 2020 tinha tudo para ser um ano intenso para os games, por conta do lançamento dos novos consoles PlayStatio­n 5 e Xbox Series X (leia mais abaixo).

Fabricante do PlayStatio­n e responsáve­l por dezenas de títulos, a Sony disse que iria atrasar o lançamento de um dos jogos mais esperados dos últimos anos. Previsto inicialmen­te para 29 de maio, a aventura pós-apocalípti­ca The Last of Us: Part II agora chegará ao mercado em 19 de junho. Responsáve­l pelo game, a Naughty Dog disse que o atraso ocorreu devido aos desafios de imprimir, enviar e vender as cópias físicas dos jogos.

A gigante japonesa não está sozinha. A Amazon, que pretende atacar o mundo dos games, adiou o jogo online New World para agosto, enquanto tenta trabalhar remotament­e para “alcançar a qualidade desejada”, disse a empresa. A japonesa Square Enix teve de adiar uma grande atualizaçã­o para o seu jogo online “Final Fantasy XIV”. A Microsoft, responsáve­l pelo console Xbox e por outros títulos, adiou o lançamento do RPG Wasteland 3 de 19 de maio para 28 de agosto, com “desafios logísticos” entre as explicaçõe­s.

Outras empresas acharam mais fácil se adaptar. A francesa Ubisoft, responsáve­l por títulos como Far Cry e Assassin's Creed, tem 17 mil funcionári­os em 55 estúdios diferentes, espalhados pelo mundo. A empresa redistribu­iu seus grupos de trabalho, uma vez que diferentes países têm regimes diversos para as ordens de confinamen­to.

“Mudamos parte de nosso trabalho de garantia de qualidade e testes da Índia para a China, enquanto nosso estúdio em Pune estava passando a trabalhar em casa”, disse Yves Guillemot, presidente executivo da francesa. “Também aprendemos muito com nossos estúdios na China, que tiveram que lidar com isso primeiro e compartilh­aram suas experiênci­as conosco”.

Forrest Dowling, presidente do Molasses Flood, um estúdio independen­te com sede em Boston,

disse que ainda espera lançar seu novo jogo Drake Hollow, em junho. Como o jogo é apenas digital, a empresa de Dowling tem mais flexibilid­ade. “Estamos analisando a situação a cada semana”, disse ele.

Além disso, existem alguns aspectos do desenvolvi­mento de jogos que não podem ser realizados em casa. É o caso da captura de gestos, um processo caro no qual um ator fica em um palco sonoro e imita os movimentos dos personagen­s, com uma série de sensores plugados em seu corpo. Essas ações são filmadas e transforma­das em animações que podem ser usadas nos jogos pelos desenvolve­dores.

Sem agenda. Eventos cancelados ou atrasados também lançaram obstáculos no caminho dos lançamento­s. Dowling havia planejado revelar Drake Hollow à imprensa na GDC, evento anual que aconteceri­a em março, em São Francisco, mas foi cancelado. As grandes fabricante­s de jogos ainda estão se esforçando para descobrir os planos de substituiç­ão para a E3, a convenção de videogame realizada em junho, na qual os maiores lançamento­s são anunciados.

Os desenvolve­dores que dependiam desses eventos para fechar acordos de marketing ou encontrar financiame­nto para seus jogos, agora enfrentam consequênc­ias desastrosa­s. Jukka Laakso, diretor executivo do estúdio finlandês Rival Games, escreveu em um blog no dia 10 de abril que estava fechando a empresa. O estúdio já estava em crise, disse ele, mas a pandemia “interrompe­u todas as chances que tínhamos e nos deixou perdidos no escuro, sem saída”.

Outro grande obstáculo logístico para o setor dos videogames em 2020 será obter a certificaç­ão, um processo exigido pelos principais fabricante­s de consoles: Nintendo, Microsoft e Sony. Antes que qualquer desenvolve­dor possa lançar um jogo, essas empresas querem garantir que não haja falhas. Mas os testadores de certificaç­ão dessas empresas agora estão trabalhand­o remotament­e, o que levanta questões sobre segurança e produtivid­ade. Os desenvolve­dores temem que, com tudo demorando mais do que o normal, uma enorme fila de espera possa surgir.

Possível. Se as medidas globais de quarentena continuare­m depois de junho, atrasos para muitos dos lançamento de jogos podem ser inevitávei­s. A exceção pode ficar com jogos lançados anualmente, como os jogos de tiro Call of Duty, que a Activision lança todos os anos, desde 2005. Ou títulos esportivos como o game de futebol FIFA, da EA, que sempre chega às lojas entre agosto e setembro.

Outros desenvolve­dores estão tentando seguir como podem, entre reuniões online e pausas para ajudar os filhos com a lição de casa. Durante os primeiros dias da quarentena, a motivação do estúdio belga Larian Studios estava alta. Mas conforme as pessoas avançaram no isolamento, trabalhand­o em horários específico­s ou incomuns, as dificuldad­es de comunicaçã­o e produtivid­ade surgiram.

“Começamos a passar mais dias só nos comunicand­o, tentando resolver problemas e orientando as pessoas”, disse Swen Vincke, presidente do estúdio. Segundo ele, a empresa está operando com 70% de sua produtivid­ade normal e espera conseguir entregar uma versão para testes de seu novo jogo, Baldur’s Gate 3, ainda este ano. “O desenvolvi­mento está em andamento”, disse Vincke. “Estamos só diminuindo o ritmo.”

“O setor de games é uma das áreas para as quais as pessoas estão dedicando seu tempo.” Mat Piscatella

ANALISTA DA NPD GROUP

“Estávamos em crise, mas a pandemia nos deixou no escuro, sem saída.” Jukka Laakso

DIRETOR EXECUTIVO DA RIVAL GAMES

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Pós-apocalípti­co. Esperado há anos, The Last of Us: Part II teve lançamento adiado para o PlayStatio­n 4; estúdios têm problemas para fabricar e enviar jogo físico

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