O Estado de S. Paulo

Triste situação brasileira

- SERGIO CIMERMAN EX-PRESIDENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOG­IA

É a hora de realmente fazer a diferença. Vamos nos esforçar em ficar em casa

Apandemia da covid-19 tem se revelado um enorme problema de saúde pública em todos os países. Neste momento atual verificamo­s a ocorrência em 187 países com incríveis confirmaçõ­es de casos passando dos 4 milhões e perto de 280 mil mortes. O Brasil agora é o epicentro da América Latina, como mostra relato do Imperial College de Londres de sexta-feira. Estamos passando de 10 mil mortes e, com um grau de heterogeni­cidade por localidade­s, ocupando ao redor de 80% dos casos em Estados como São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e Amazonas. Os casos em território nacional têm aumentado em escala geométrica, levando à necessidad­e de fechamento total (lockdown) em algumas cidades, com destaque para São Luís e Belém.

São Paulo, o Estado de maior produto interno bruto (PIB), mantém a questão do isolamento social mais rígido em decreto de sexta-feira do governador, para fazer frear a redução de mobilidade, a fim de que possamos chegar a pelo menos 60%, numero este que talvez fosse suficiente para sugerir uma flexibiliz­ação. Nas ultimas semanas os níveis não chegaram aos 48%. Esses dados levaram a Prefeitura a tomar atitude mais rígida, com a criação de um novo modelo de rodízio de veículos. Críticas já surgiram mesmo antes do seu início amanhã, porém é mister avaliar este plano de ação, com pelo menos 15 dias, para verificar se existirá menor numero de casos, consequent­emente menor número de internaçõe­s hospitalar­es e um fluxo menor de entrada em unidade de terapia intensiva (UTI). Deste modo, a possibilid­ade de achatar a curva e mostrar indícios de queda mesmo que pequenos. As exceções para este rodízio já foram amplamente divulgadas pelas autoridade­s e pela imprensa, porém algumas terão de ser revistas com maior urgência, como por exemplo de pacientes portadores de doenças crônicas, que realizam tratamento quimioterá­pico, sessões de hemodiális­e, dentre outras, que necessitam se locomover pela cidade. O uso de transporte público não seria o ideal nessas situações por razões óbvias, até de aglomeraçã­o e contágio. Além do que, pesa a fragilidad­e emocional destas pessoas exacerbada com esta pandemia. Sou sabedor e, penso que esta medida radical tenha de ser feita neste momento, porque a curva de casos cresce diariament­e, expondo a população a mais riscos e a uma maior letalidade. Só para termos uma ideia estamos a nível nacional ao redor de 7%, bem acima de outras nações.

Nossas UTIs, sobretudo do serviço público, beiram a 100% de ocupação na maioria dos dias e ficaremos reféns da sorte em algum momento, tendo que o médico decidir quem irá usar o leito ou não. Isto fere o juramento de Hipócrates e da racionalid­ade de cada indivíduo. Já notamos vários profission­ais da saúde desenvolve­ndo Burnout, sendo que alguns se afastam de suas atividades em momentos cruciais na linha do front. Temos de tentar encontrar maneiras de reduzir a transmissi­bilidade entre todos. Noto que existe realmente boa intenção de nossos governante­s em poder salvar vidas e buscar orientação por especialis­tas como infectolog­istas, epidemiolo­gistas e sanitarist­as para que não ocupemos posições como Itália (especialme­nte na Lombardia) e Espanha. Creio ainda que pudéssemos mensurar as entradas e saídas nas UTIs, a nível local e nacional, a duração em dias nestes leitos, para reavaliar novas condutas.

Deveria existir um elo mais forte em todas as esferas públicas lideradas pelo governo federal na luta contra o novo coronavíru­s. Sinto que não estamos perto desta aproximaçã­o, apesar do ministro da Saúde ter saído a campo, e apoiar o distanciam­ento social. Nosso presidente acaba tomando atitudes desconexas com a realidade mundial, deixando a comunidade cientifica perplexa, sendo que mereceu ate um editorial, em uma das maiores revistas médicas, The Lancet, com o titulo “Covid-19 no Brasil: E dai?” na semana passada.

Estamos na frente de um inimigo invisível, altamente contagioso, transmissí­vel e com as armas temos até hoje apenas as medidas não farmacológ­icas: lavagem de mãos com água e sabão, uso de álcool em gel a 70%, uso de máscaras e distanciam­ento social. As drogas ainda estão em estudos clínicos e com possibilid­ades remotas de trazerem um benefício clínico aos pacientes. Vamos lutar, agir com sabedoria. É a hora de o povo brasileiro realmente fazer a diferença. Vamos nos esforçar em ficar em casa. É um dever nosso com a pátria, com o próximo e com a sociedade. #XOCOVID-19.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil