O Estado de S. Paulo

Volta às aulas

- RENATA CAFARDO E-MAIL: renata.cafardo@estadao.com TWITTER: @recafardo ESCREVE QUINZENALM­ENTE É REPÓRTER ESPECIAL DO ESTADO E FUNDADORA DA ASSOCIAÇÃO DE JORNALISTA­S DE EDUCAÇÃO (JEDUCA)

Mais importante do que saber a data exata da volta às aulas, que se tornou quase uma obsessão para os pais nesses tempos de isolamento, é planejá-la. Escolas, professore­s e famílias não podem ser pegos de surpresa, como aconteceu quando houve o fechamento no meio de março. Por isso, o melhor a fazer agora – além de seguir com o que é possível para cada um na educação a distância – é se programar para o tão falado “novo normal”.

Nesse mundo que vai surgir após a pandemia, providênci­as práticas de segurança e higiene são as primeiras e mais óbvias. Mas nada fáceis.

Pelo que já foi feito em outros países que tentam retomar a educação presencial, os alunos de todas as idades precisam estudar com máscaras – já tentou pôr máscara em uma criança?

Eles também não vão poder chegar muito perto dos amigos e teriam de andar por caminhos específico­s na escola para evitar aglomeraçã­o. Imagina depois de meses sem aulas, você dizer ao seu filho: ok, agora você vai poder ver seus colegas, mas não chegue muito perto. Não consigo nem imaginar crianças da educação infantil, de 3, 4 anos, sendo submetidas a esse tipo de regra, mas... Somos todos seres resiliente­s e acabamos nos acostumand­o.

A pior parte é enfrentar o que trazem de casa alunos e professore­s na bagagem de um período de isolamento social e pandemia.

O Todos pela Educação recentemen­te reuniu especialis­tas que analisaram 43 estudos sobre lugares que já passaram por situações parecidas com a atual, com outras epidemias, guerras e desastres, além da experiênci­a dos países que deixaram o isolamento mais rígido. O resultado virou uma nota técnica detalhada, com informaçõe­s cruciais para o retorno às aulas.

Um dos pontos que o documento chama muito a atenção é o impacto emocional da pandemia sobre crianças, adolescent­es e também professore­s. A longa duração do isolamento traz junto o medo de infecção, a morte de familiares, as incertezas quanto ao emprego e recursos financeiro­s e, algumas vezes, a convivênci­a prolongada em um ambiente doméstico tóxico, com violência e abuso.

Alguns estudos mostram que alunos que passam por situações traumática­s podem ter maior dificuldad­e em desenvolve­r competênci­as numéricas e de leitura, além de pior desempenho em disciplina­s que exigem maior concentraç­ão, indica a nota.

Por causa disso, a educação vai precisar muito das áreas da saúde e da assistênci­a social para manter a escola de pé. O suporte psicológic­o deve se tornar algo trivial pós pandemia para estudantes e professore­s, hoje ainda muito difícil de se encontrar pelo País, apesar de uma lei de 2019 que exige esse tipo de profission­al na escola.

E ainda há aqueles que sequer vão chegar lá para receber qualquer apoio. Até 20% dos alunos que sobrevivem a choques climáticos, ciclones e terremotos, por exemplo, não voltam a estudar. Escolas públicas, principalm­ente, terão de ir atrás dessas famílias em busca das crianças e adolescent­es que abandonara­m a escola. E o governo deve manter ajuda financeira para que o jovem estudante de antes da pandemia não seja obrigado a virar trabalhado­r depois dela.

E por último está a defasagem de aprendizag­em. Claro que muitos, sejam ricos ou pobres, vão voltar sem ter aprendido o que se esperava em atividades a distância. E aí está o desafio maior. Programas muito organizado­s de avaliação diagnóstic­a desses alunos e recuperaçã­o terão de ser levados a sério. O Brasil que pouco olha para o estudante com dificuldad­e, acostumado a deixar para trás quem não aprende, vai ter de mudar. Ou estaremos aprofundan­do nossa já grande desigualda­de e levando mais gente para um imenso fundo do poço.

O Brasil acostumado a deixar para trás quem não aprende vai ter de mudar

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