O Estado de S. Paulo

O adiamento do Enem

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Apedido das universida­des federais, o Senado aprovou projeto que permite o adiamento de provas de acesso para o ensino superior “sempre que houver reconhecim­ento de estado de calamidade pelo Congresso”. A iniciativa viabilizou o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que estava previsto para novembro. Como o ministro da Educação, Abraham Weintraub, vinha insistindo em manter as datas previstas, a Câmara anunciou que votaria, nos próximos dias, um projeto com o mesmo objetivo do do Senado. Por seu lado, o Ministério Público Federal (MPF) informou que pediria na Justiça o adiamento do Enem. Diante de tanta pressão e derrotado politicame­nte, Weintraub finalmente cedeu.

A nota do Enem é a principal porta de entrada no ensino superior do País. Ao justificar o pedido de adiamento, as universida­des apresentar­am dois argumentos. Alegaram que, como os alunos da rede pública de ensino médio foram mais prejudicad­os do que os da rede privada, por causa da política de isolamento social, a manutenção do calendário favoreceri­a os estudantes mais ricos, aumentando a desigualda­de no acesso ao ensino superior gratuito. Também afirmaram que, dada a diferença de qualidade entre o ensino público – que concentra 80% dos alunos do ensino médio – e o privado, a manutenção das datas da prova do Enem feriria o princípio constituci­onal da igualdade.

O que levou o governo a insistir em realizar o Enem na data prevista decorreu não de uma razão técnica, mas política. Mais uma vez ideologiza­ndo suas decisões, Weintraub alegou que o adiamento era uma bandeira da esquerda. Além disso, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educaciona­is (Inep), a ele subordinad­o, informou na semana passada que não tinha um “plano B” para o adiamento do Enem.

Quando percebeu a encrenca em que se metera, Weintraub acenou com a possibilid­ade de fazer, em junho, uma consulta aos estudantes inscritos no Enem, para saber se queriam ou não seu adiamento. A promessa foi feita pelo Twitter, no começo da semana. “Democracia é isso”, afirmou ele. Após a derrota que sofreu no Senado, o ministro teve de mudar a estratégia. Em vez de perguntar se os 4 milhões de estudantes inscritos no Enem querem manter ou adiar as provas, a consulta agora é para saber se preferem que a nova data seja entre 30 e 60 dias depois do previsto.

Esse problema não teria ocorrido se o ministro fosse competente. Quando a pandemia começou, a maioria dos países que aplicam provas similares às do Enem imediatame­nte adiou sua realização. Além de não ter agido em tempo,

Weintraub ainda tentou explorar politicame­nte sua decisão, afirmando que a consulta é uma iniciativa democrátic­a. O argumento, porém, é enganoso. Como agora o Inep terá de preparar às pressas um “plano B”, ao atrasar-se para promover essa “consulta democrátic­a”, o ministro só agravou um problema que já era complexo por natureza.

Se por um lado é evidente que a suspensão das aulas durante o período de isolamento prejudicou os estudantes das escolas públicas, por outro o adiamento do Enem acarretará dificuldad­es para as universida­des. Como elas têm de efetuar as matrículas dos ingressant­es, esse adiamento poderia, do modo como fosse feito, desorganiz­ar o cronograma escolar de 2021. Foi por isso que, no documento em que pediram o adiamento das provas do Enem e criticaram o tratamento político que o ministro da Educação dava a uma questão técnica, as universida­des propuseram que o Enem fosse realizado, no máximo, até janeiro. Essa é a data-limite para que possam processar as matrículas em fevereiro sem compromete­r o início das atividades letivas previsto para março.

Ao propor a consulta para que os inscritos no Enem decidam se as provas sejam até 60 dias depois do previsto, ou seja, em janeiro, Weintraub deixou claro que as universida­des estavam certas e que ele estava errado. Essa foi mais uma demonstraç­ão do que acontece quando um ministro da Educação trata questões técnicas com critérios ideológico­s.

Por ideologiza­r assunto, ministro da Educação foi atropelado pelo Legislativ­o e pelo MPF

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