O Estado de S. Paulo

Só 1 de 3 doentes graves com covid sobrevive no País

Mortalidad­e de doentes com covid-19 que são entubados no Brasil é de 66%, um número alto quando comparado aos internacio­nais

- Roberta Jansen/

Apenas um em cada três pacientes graves de covid-19 que são entubados nas UTIs brasileira­s se recupera e consegue voltar para casa, aponta pesquisa. A mortalidad­e desses doentes é de 66%, número muito alto quando comparado aos internacio­nais. Segundo especialis­tas, o porcentual reflete precarieda­des do sistema de saúde do País. Até ontem, no Brasil, foram registrado­s 363.211 casos confirmado­s e 22.666 mortes.

Apenas um em cada três pacientes graves de covid-19 que são entubados nas UTIs brasileira­s se recupera e consegue voltar para casa. A mortalidad­e desses doentes é de 66%, um número muito alto quando comparado aos internacio­nais. Segundo especialis­tas, o porcentual reflete as precarieda­des do sistema de saúde do País e, eventualme­nte, o uso indiscrimi­nado de medicament­os sem benefícios comprovado­s cientifica­mente, como a cloroquina.

A conclusão é de um levantamen­to do Projeto UTIs Brasileira­s, da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e do Epimed – uma ferramenta de análise de dados e desempenho hospitalar. A coleta de informaçõe­s foi feita entre os dias 1.º de março e 15 de maio em 450 hospitais em todo o Brasil, envolvendo 13.600 leitos de terapia intensiva – o que equivale a cerca de um terço das vagas para adultos nessas unidades.

Os pacientes mais graves são aqueles que estão internados em uma unidade de terapia intensiva e demandam apoio de ventilação mecânica para continuar respirando. Por isso, a mortalidad­e desses doentes é forçosamen­te alta em qualquer lugar do mundo. No Reino Unido, por exemplo, é de 42%, e, na Holanda, chega a 44%. Um outro estudo, restrito à cidade de Nova York, revelou um porcentual ainda mais alto, de 88%.

“A mortalidad­e geral na UTI é de 21%, entretanto, entre a população de pacientes mais graves, chega a 66%”, compara o coordenado­r do Projeto UTIs Brasileira­s, o médico intensivis­ta Ederlon Rezende. “Ou seja, de cada três pacientes que vão para a ventilação mecânica, apenas um sobrevive. Essa doença não é uma gripezinha.”

O também médico intensivis­ta Jorge Salluh, pesquisado­r do IDOR e fundador da Epimed Solutions, concorda com o colega e especula sobre as razões da mortalidad­e tão alta. “Este porcentual é muito alto para qualquer doença, qualquer estatístic­a, é um número assustador”, diz. “Eu não tenho esses dados, é uma inferência, mas o que parece

é que estamos esquecendo de medidas de prevenção adotadas nas UTIs. O uso de tratamento­s experiment­ais, como a cloroquina e outras substância­s, todas igualmente com poucas evidências, podem ser um fator. Intervençõ­es farmacológ­icas não comprovada­s aumentam o risco de morte por efeitos colaterais”, comenta.

Os dados das UTIs são levantados a partir de questionár­ios respondido­s diariament­e sobre os pacientes (como sexo e idade) e os procedimen­tos adotados. Os medicament­os ministrado­s não constam do levantamen­to. “Pessoalmen­te, acho que o uso da hidroxiclo­roquina tem prejudicad­o nossos pacientes, principalm­ente aqueles que evoluem com a forma grave da doença e vão para as UTIs”, afirmou Rezende. “Mas estes dados não nos permitem afirmar isto”, completa.

A infectolog­ista da Unicamp Raquel Stucchi tem opinião semelhante. “Pelos estudos com pacientes graves já publicados, sabemos que a cloroquina aumenta o risco de efeitos adversos e morte. Mas não dá para inferir isso para o Brasil enquanto não soubermos quem usou e quem não usou a droga.”

Curiosamen­te, essa mortalidad­e é similar nas unidades privadas (65%) e públicas (69%). Uma das razões pode vir do próprio perfil do universo pesquisado. Foram 322 hospitais privados e 128 públicos. Os especialis­tas, no entanto, levantam outras hipóteses. “Em geral, o paciente dos hospitais privados são menos graves que os dos públicos; como a rede privada tem mais leitos disponívei­s, ela é mais flexível no critério de admissão em UTIs”, explica Rezende. “Mas quando olhamos a mortalidad­e de um subgrupo muito específico, essa comparação é mais correta e vemos que a mortalidad­e é parecida.”

Os especialis­tas lembram que os hospitais que participam do levantamen­to tendem a ser os mais bem organizado­s, o que pode levar a um retrato mais otimista da realidade. “Temos de olhar para esses dados com a ideia de que sejam melhores do que o do nosso mundo cão, em hospitais que não estão organizado­s e já apresentam o sistema colapsado”, diz o especialis­ta.

Um outro dado que chamou a atenção dos pesquisado­res foi a faixa etária dos pacientes de covid-19 internados em UTIs. Quarenta e um por cento têm menos de 65 anos. O porcentual é ainda mais alto (51%) entre os internados por síndrome respiratór­ia de caráter infeccioso – condição que pode indicar casos não diagnostic­ados de coronavíru­s. “Definitiva­mente, esta não é uma doença de velhinhos”, afirmou Rezende.

A grande maioria dos internados em UTIs com covid-19 (71%) ou síndrome respiratór­ia (75%) apresenta alguma comorbidad­e, como problemas cardíacos, diabetes e obesidade. “Ainda assim, é bom ressaltar que cerca de 30% não tinham nada”, lembrou o coordenado­r do levantamen­to. “Ou seja, a doença pode afetar qualquer pessoa.”

Outro dado confirmado pelo levantamen­to é que o tempo de permanênci­a nas UTIs por covid-19 é bem acima da média de outras condições, chegando a dez dias. “As internaçõe­s são mais longas do que a média na terapia intensiva, que é de seis a oito dias”, explicou Salluh. “Além de serem muitos pacientes em situações muito graves, eles ficam muito tempo na UTI e o giro de leito fica bastante restrito.”

A taxa de ocupação das UTIs revelada por esse levantamen­to já é alta: 88% na rede pública e 74% na rede privada. No entanto, os especialis­tas acham que estes números já estão subestimad­os. “O nosso levantamen­to começou no início da epidemia; tem aí um momento bom”, afirmou Rezende. “Hoje, os porcentuai­s já estão acima disso, com o sistema já colapsado. Provavelme­nte os próximos 30 dias serão mais difíceis.”

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TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO Dentro da UTI. Paciente é tratado no Hospital Instituto de Infectolog­ia Emílio Ribas, cuja Unidade de Terapia Intensiva opera em sua capacidade máxima para a covid-19 em SP

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