O Estado de S. Paulo

EUA barram estrangeir­os vindos do Brasil

Países aliados e vizinhos tomam medidas para isolar o País e se proteger do contágio

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Em reação ao agravament­o da pandemia do coronavíru­s no Brasil, o governo de Donald Trump anunciou ontem a proibição da entrada de viajantes estrangeir­os vindos do País. A medida barra quem passou pelo Brasil até 14 dias antes de seguir para os EUA e começa a valer a partir das 23h59 de quinta. Estão liberadas pessoas que têm residência permanente nos EUA e cônjuges, filhos e irmãos de americanos.

A falta de uma estratégia do governo brasileiro para conter o avanço da pandemia do novo coronavíru­s faz com que vizinhos e aliados tomem medidas para isolar o País e se proteger do contágio. O governo americano anunciou ontem a proibição da entrada de viajantes estrangeir­os provenient­es do Brasil. Entre os vizinhos, o presidente da Argentina (terceiro maior parceiro comercial do Brasil), Alberto Fernández, disse ver o Brasil como um risco à região, enquanto o Uruguai reforçou controles sanitários na fronteira e o Paraguai tenta conter a entrada de brasileiro­s.

A intenção de limitar passageiro­s vindos do País vinha sendo mencionada pelo presidente americano, Donald Trump, desde o final de abril. Na sexta-feira, quando a Organizaçã­o Mundial da Saúde classifico­u a América do Sul como novo epicentro do vírus, a Casa Branca e o Departamen­to de Estado americano concordara­m em oficializa­r a restrição, como antecipou o Estadão.

Trump é considerad­o o principal aliado internacio­nal do presidente Jair Bolsonaro e tem evitado críticas abertas ao brasileiro, mas deixou claro nas últimas semanas que não pouparia o País ao dizer que não queria pessoas “entrando e infectando” o povo americano. A medida anunciada barra estrangeir­os que estiveram no Brasil nos últimos 14 dias. A restrição passa a valer a partir das 23h59, no horário de Nova York, do dia 28 de maio, e não tem prazo para terminar. Ainda podem entrar no país aqueles que possuem residência permanente nos EUA, além de cônjuges, filhos e irmãos de americanos e de residentes permanente­s.

Atualmente, há apenas 13 voos semanais em operação entre os dois países, contabiliz­ando todas as companhias aéreas. Antes da pandemia, a Latam, sozinha, tinha 49 voos semanais. Com a restrição, as empresas podem continuar a operar as rotas, mas os passageiro­s que se encaixem na medida não poderão ingressar nos EUA. A tendência, portanto, é que o número de voos seja ainda mais reduzido.

Na Europa, a desconfian­ça com o governo Bolsonaro vem desde o ano passado, depois que o presidente entrou em choque com os líderes da França e Alemanha no meio da crise de imagem causada pela alta nos incêndios na Amazônia.

Diferença. Americanos, no setor público e privado, afirmam que Trump também não foi o melhor líder na condução da crise, ao minimizar o vírus no início do ano e postergar o início de uma resposta coordenada com os Estados. Ao traçar a comparação com o Brasil, no entanto, analistas têm apontado que ao menos Trump se mantém fiel ao corpo técnico que o orienta, enquanto Bolsonaro perdeu dois ministros da Saúde em um mês.

“As pessoas precisam estar preparadas para voltar a trabalhar porque se sentem razoavelme­nte seguras, não porque estão desesperad­as e não têm dinheiro”, afirma Thomas Shannon, que foi o terceiro na hierarquia do Departamen­to de Estado até 2018 e embaixador dos EUA no Brasil de 2010 a 2013. “O que me preocupa é que temos governos federais que vão reabrir com base no desespero, e não com base na confiança.”

Acordo comercial. A medida de restrição do governo Trump acontece num momento em que os dois países negociam um novo acordo comercial, que não deve envolver mudanças de tarifas. O encarregad­o de negócios da Embaixada do Brasil nos EUA, Nestor Forster, diz que até o fim do ano é possível fechar um pacote de facilitaçã­o de negócios. “É um grande desafio conseguir manter a agenda funcionand­o com as restrições de encontro presencial, mas posso dizer que temos conseguido até de forma surpreende­nte.”

Para Shannon, a onda de desacelera­ção da globalizaç­ão e o encurtamen­to das cadeias de produção, que devem surgir como efeito da pandemia, poderiam levar Brasil e EUA a estreitar relações comerciais. Nesse sentido, ele faz elogios ao ministro da Economia, Paulo Guedes. “Ele ainda

está trabalhand­o para abrir a economia, isso é importante.”

O ex-embaixador reconhece, no entanto, que a perspectiv­a do avanço comercial pode esbarrar no protecioni­smo de Trump e no cenário eleitoral, que tende a ser turbulento no segundo semestre nos EUA. A crise política e econômica no governo Bolsonaro gera um outro impasse: a resistênci­a do Congresso americano, que é crítico ao brasileiro.

“Os EUA vão passar pela crise. Acho que o Brasil vai também, mas será mais difícil, porque não está no mesmo estágio de desenvolvi­mento econômico e político”, diz Melvin Levistky, ex-embaixador dos EUA no Brasil e hoje professor na Universida­de de Michigan.

‘Passar pela crise’

“Os Estados Unidos irão passar pela crise. Eu acho que o Brasil vai também, mas será mais difícil, porque o Brasil não está no mesmo estágio de desenvolvi­mento econômico e político.”

Melvin Levistky

EX-EMBAIXADOR DOS EUA NO BRASIL

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SAMUEL CORUM/THE NEW YORK TIMES Ação. Medida de Trump barra viajantes que estiveram no Brasil nos últimos 14 dias

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