O Estado de S. Paulo

Após vídeo, presidente cita Lei de Abuso

Para juristas, porém, legislação não se aplica à divulgação, pelo STF, da reunião ministeria­l

- / EMILLY BEHNKE, JUSSARA SOARES, PAULO BERALDO e PAULO ROBERTO NETTO

Pouco antes de participar, como vem se repetindo aos domingos, de uma manifestaç­ão a favor de seu governo, o presidente Jair Bolsonaro publicou ontem nas redes sociais o artigo 28 da Lei de Abuso de Autoridade, que fala da divulgação total ou parcial de gravações. “Divulgar gravação ou trecho de gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou imagem do investigad­o ou acusado. Pena – detenção de 1 (um) a 4 (quatro) anos”, escreveu.

A publicação ocorre dois dias depois de o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), levantar o sigilo do vídeo da reunião ministeria­l que o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro usa como prova de que o presidente teria tentado interferir na Polícia Federal e no dia seguinte à revelação, pelo Estadão, de novas mensagens trocadas entre Bolsonaro e o então ministro. “Moro, Valeixo sai esta semana. Está decidido”, afirmou Bolsonaro na conversa, contradize­ndo a sua versão de que Maurício Valeixo deixou o cargo de diretor-geral da PF por vontade própria.

O vídeo da reunião de 22 de abril é parte da investigaç­ão que apura a tentativa de interferên­cia para obter informaçõe­s sobre investigaç­ões que pudessem prejudicar seu núcleo familiar. As trocas no comando da corporação e na superinten­dência do Rio levaram à demissão de Moro, que revelou intenção do presidente em indicar delegados próximos para os cargos de comando da corporação.

Para o desembarga­dor aposentado Walter Maierovitc­h, não faz sentido se falar em lei de abuso de autoridade no caso. Segundo ele, Celso de Mello deu toda a explicação que motivou tornar pública a quase totalidade do vídeo. “Todas as motivações têm apoio na lei e na Constituiç­ão. O tempo inteiro em

sua decisão ele repete isso tecnicamen­te”, afirmou.

A lei de abuso só pode ocorrer em razão de uma atividade ilegal, diferente da atitude do ministro do STF, segundo Maierovitc­h. “O que ele fez está dentro de seu poder como ministro em uma apuração criminal. Ele ainda teve a cautela extra de dizer que não tinha ali nenhuma questão de segurança nacional, apenas a parte das relações internacio­nais, que ele pediu que fosse tirada.” Para Maierovitc­h, a “ignorância jurídica” do presidente incita o povo a querer enquadrar um ministro espalhando informaçõe­s falsas. “Não tem o mínimo senso.”

Avaliação semelhante tem o professor de Direito Luiz Fernando Amaral, da Faap. “Só tenho a lamentar que o presidente apresente uma resposta como essa a uma decisão de um ministro do STF”, afirmou. “Não se tratava de uma gravação de um ato privado.” Amaral ainda destacou que a iniciativa de pedir a investigaç­ão partiu do próprio procurador-geral da República, Augusto Aras. “O ministro Celso de Mello, na prática, só está instruindo um inquérito para que o PGR faça um juízo se deve ou não denunciar o presidente.”

Helicópter­o. Na manifestaç­ão de ontem na Praça dos Três Poderes, apoiadores do presidente, de forma isolada, exibiam mensagens contra o Supremo e a imprensa. “Abaixo a ditadura do STF”, dizia um dos cartazes. Em outro, uma referência à imprensa como “inimiga”. A presença de frases de tom antidemocr­ático contraria orientação da semana passada, quando Bolsonaro fez chegar a lideranças um pedido para não exibir faixas contra o STF e o Congresso.

Com direito à chegada de helicópter­o e caminhada pela via em frente à Praça dos Três Poderes, Bolsonaro ficou meia hora no local e, por seis vezes, percorreu a grade de segurança para cumpriment­ar apoiadores.

A participaç­ão do presidente nesses atos tem sido frequente, contrarian­do recomendaç­ões do Ministério da Saúde e da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS) de se evitar aglomeraçõ­es durante a pandemia do novo coronavíru­s. Sem máscara, Bolsonaro, abraçou e carregou crianças.

Entre os que acompanhav­am o presidente estava o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, que na semana passada publicou protocolo liberando o uso da cloroquina para todos os pacientes de covid-19, um desejo de Bolsonaro.

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DIDA SAMPAIO/ESTADAO Aglomeraçã­o. Jair Bolsonaro abraça criança durante manifestaç­ão de apoio ao seu governo na Praça dos Três Poderes

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