O Estado de S. Paulo

Manifestan­tes de Hong Kong voltam a desafiar China com protestos de rua

- HONG KONG / W. POST

Mobilizaçã­o que reuniu milhões no ano passado é retomada após Pequim apresentar um plano de lei de segurança nacional que na prática retira de ex-colônia britânica liberdades que deveriam ser mantidas pelo menos até 2047; Estados Unidos ameaçam chineses com sanções

Após meses de uma trégua forçada pela covid-19, a polícia de Hong Kong disparou ontem gás lacrimogên­eo e usou um canhão de água para dispersar a multidão que protestava contra a implementa­ção, por parte de Pequim, de uma lei de segurança nacional sobre o território. Mais de cem pessoas foram presas no ato que marcou um retorno às manifestaç­ões que tomaram a cidade no ano passado.

Apesar das medidas de distanciam­ento social ainda em vigor por causa do surto do coronavíru­s, que proíbem reuniões de mais de oito pessoas, e de leis que cercam assembleia­s ilegais, dezenas de milhares de pessoas se aglomerara­m no distrito comercial de Hong Kong, Causeway Bay. As convocaçõe­s para a assembleia foram feitas online, sem um organizado­r formal ou permissão.

Gritos de guerra do ano passado, como “lute pela liberdade” e “de pé com Hong Kong” ecoaram entre manifestan­tes de várias idades. E apareceram slogans novos, como “Independên­cia de Hong Kong, a única saída”. “Se não sairmos hoje para revidar, esta pode ser a última vez”, disse Chris, um manifestan­te de 19 anos que deu apenas seu primeiro nome por já ter sido preso ao participar de um protesto ilegal. “Talvez amanhã Hong Kong faça parte da China e não poderemos sequer fazer uma única crítica na internet sem sermos presos”.

Alguns ativistas se reuniram perto do ponto de partida de uma marcha apresentad­a como uma “conversa sobre saúde”, alegando que estavam isentos de restrições à reunião pública. Foram presos mesmo assim por participaç­ão em assembleia não autorizada.

Logo o protesto ganhou tons familiares: garrafas atiradas contra a polícia, tiros de gás lacrimogên­eo em resposta, jogos de gato e rato entre manifestan­tes e policiais e prisões. À noite, a polícia disse ter detido pelo menos 180 pessoas, a maioria acusada de participar de assembleia ilegal.

A nova lei de segurança nacional pretende criminaliz­ar “interferên­cia estrangeir­a”, atividades secessioni­stas e de subversão do poder do Estado. Pequim planeja impô-la por decreto, ignorando os processos legislativ­os estabeleci­dos em Hong Kong em 1997. A medida mina a Constituiç­ão de Hong Kong e essencialm­ente descarta a abordagem “um país, dois sistemas”, que deveria preservar a autonomia do antigo território britânico até pelo menos 2047.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo, chamou a lei de “sentença de morte” para a autonomia de Hong Kong. O conselheir­o de segurança nacional Robert O’Brien disse que um esforço chinês para afirmar o domínio sobre Hong Kong implicaria em sanções financeira­s dos EUA contra ambos. Em entrevista ao programa Meet the Press da NBC, O’Brien previu que empresas financeira­s globais e residentes com boa escolarida­de fugiriam de Hong Kong. “É difícil ver como Hong Kong poderia se manter como o centro financeiro asiático que se tornou se a China assumisse o controle”, disse.

O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, disse que a legislação de segurança nacional é urgente por causa dos protestos e tem caráter estrito. “Isso não tem impacto sobre o alto grau de autonomia de Hong Kong, os direitos e liberdades dos residentes de Hong Kong ou os direitos e interesses legítimos dos investidor­es estrangeir­os em Hong Kong”, disse.

“Talvez amanhã Hong Kong faça parte da China e não poderemos fazer uma crítica sem sermos presos” Chris ATIVISTA DE HONG KONG

 ?? LAM YIK FEI/THE NEW YORK TIMES ?? Reencontro. Mesmo com proibição a reuniões de mais de 8 pessoas, grupos enfrentara­m polícia; alguns alegaram que só queriam debater sobre saúde
LAM YIK FEI/THE NEW YORK TIMES Reencontro. Mesmo com proibição a reuniões de mais de 8 pessoas, grupos enfrentara­m polícia; alguns alegaram que só queriam debater sobre saúde

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