O Estado de S. Paulo

Um retrato da fome

- PROFESSOR DE FINANÇAS NA FGV/EAESP

As previsões dos efeitos da crise sanitária sobre a economia são terríveis. Dois economista­s da EPGE/FGV, Johann Soares e Matheus Rabelo de Souza, publicaram um estudo intitulado “A macroecono­mia das epidemias: resultados para o Brasil”. O trabalho buscou medir o impacto das medidas de contenção social na economia brasileira no curto e longo prazos.

Esse estudo mostrou que, se o Brasil adotasse uma contenção social ótima, seriam evitadas a morte de 50 mil pessoas, mas produziria uma recessão no curto prazo 3,5 vezes pior do que se não houvesse contenção alguma. Por outro lado, a contração do PIB seria menor, pois o número de horas trabalhada­s cairia menos. Em resumo, segundo o estudo, maior contenção social, menos pessoas perdem a vida e menor o impacto negativo sobre o PIB.

O fato é que não sabemos o que teremos pela frente. Com certeza vamos passar por uma situação bem difícil na economia nos próximos anos. Mas, independen­temente de qualquer modelo econômico, a discussão é mais ampla e deve ser conduzida pela ética. A vida deve ser privilegia­da em qualquer situação.

Por outro lado, mesmo não tendo certeza sobre o futuro no curto prazo, sabemos que a situação é trágica. Asim, logo que a pandemia começou a nos atingir, além das medidas de combate à doença, foram anunciadas medidas para tentar amenizar o potencial do caos econômico trazido pela crise na saúde. O auxílio emergencia­l de R$ 600 para as pessoas e linhas de crédito para as empresas.

Todos sabíamos que fazer esses recursos chegarem até os necessitad­os seria um desafio enorme. O que nós estamos assistindo mostra nossa incapacida­de de resolver problemas. Calcula-se que em torno de 7,5 milhões de pessoas não receberão essa renda por não terem acesso a internet. Isso significa que milhões de famílias não terão o que comer. Como consequênc­ia, voltaremos a figurar no Mapa da Fome no Mundo, segundo o representa­nte do Programa Mundial de Alimentos da ONU. Desde 2014, estávamos no grupo de países em que menos de 5% da população vivia inseguranç­a alimentar. Até o fim de 2020, deveremos atingir 7,5% da população no grupo de extrema pobreza, são quase 15 milhões de pessoas que ganham menos de US$ 1,90 por dia. No mundo, hoje, são mais de 820 milhões de pessoas com inseguranç­a alimentar, mas são 135 milhões que realmente passam fome, número que deve dobrar como consequênc­ia da pandemia.

Não podemos tratar esses dados apenas como números, mas, sim, entendermo­s que são pessoas que precisam de toda a ajuda para sobreviver­em, o que exige mais esforço, cooperação, inteligênc­ia e criativida­de.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil