O Estado de S. Paulo

Responsabi­lidade civil e seguro

- ANTONIO PENTEADO MENDONÇA SÓCIO DE PENTEADO MENDONÇA E CHAR ADVOCACIA E SECRETÁRIO-GERAL DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Imagine um enorme navio carregado com milhares de toneladas de minério de ferro ou um superpetro­leiro naufragand­o no litoral brasileiro, próximo de praias com intensa dependênci­a do turismo e variada flora e fauna marinha.

É claro, o naufrágio aconteceri­a em capítulos, como uma novela, com a emoção subindo na medida que as tentativas de resgate da embarcação e da contenção do vazamento da carga para o mar vão se sucedendo e dando errado. O navio faz que vai, mas não vai, se estabiliza, aderna, estabiliza de novo, o mar engrossa e ele volta a adernar, a proa afunda, conseguem estabiliza­r, até que, afinal, depois de vários dias de luta, os encarregad­os encerram a missão, enquanto a enorme embarcação quebra no meio e afunda, liberando milhares de toneladas de material poluidor, que se espalhará por centenas de milhas em volta, atingindo a vida marinha, destruindo delicados ecossistem­as, tomando as praias na maré alta, para ficar depois depositado na areia, como as manchas no pelo de um cachorro dálmata.

A carga pertence a uma determinad­a companhia, foi exportada por outra e uma terceira é a proprietár­ia do navio. Se o acidente envolvesse uma relação de consumo, as três, em conjunto ou separadame­nte, poderiam ser acionadas para indenizar os prejuízos. E é aqui que surge a primeira dificuldad­e para tipificar os fatos: a operação inteira e o acidente poderiam ser entendidos como uma relação de consumo? Se sim, com que base? Se não, quais as outras consequênc­ias e responsabi­lizações?

O acidente tem data e hora, as causas estão identifica­das, os danos são indiscutív­eis, sua origem é clara e insofismáv­el e os envolvidos têm endereço certo e sabido. E agora, qual o próximo passo?

Com certeza haveria um longo processo para a identifica­ção exata dos danos e dimensiona­mento dos prejuízos ambientais. O que foi atingido, em que área, quais as ameaças à flora e à fauna? Quais os danos ao fundo do mar, ao litoral, às praias e costeiras? Quais os prejuízos, separadame­nte, ao meio ambiente e à atividade econômica? Qual o prejuízo total?

Se tomarmos os exemplos do naufrágio do petroleiro Exxon Valdez e da plataforma de petróleo da BP no Golfo do México, estaremos falando de dezenas de bilhões de dólares entre salvamento, limpeza, prejuízos ambientais e multas. Além deles, temos os prejuízos decorrente­s da interrupçã­o ou redução das atividades humanas em função do acidente, que também devem atingir valores significat­ivos.

O fato direto causador do dano é o naufrágio e, em princípio, com base nisto, a responsabi­lidade pelos danos seria da operadora do navio. Mas será que o naufrágio é o ponto zero, de onde se originam as demais responsabi­lidades envolvidas? Será que o começo de tudo não seria o interesse da proprietár­ia da carga (minério ou petróleo) exportar seu produto?

Não foi ela que iniciou a operação, contratand­o empresa de sua confiança para fazer a exportação? Não foi essa relação que resultou na contrataçã­o do navio para transporta­r a carga até o porto de destino?

Sob esta ótica, não há como se pretender transferir a responsabi­lidade integral pelos danos ao operador do navio porque eles são decorrente­s do naufrágio. Antes disto, os danos acontecera­m porque o proprietár­io da carga embarcada decidiu exportá-la. Se não houvesse a exportação não haveria a contrataçã­o da firma exportador­a, nem a contrataçã­o da firma de navegação, nem o transporte e, consequent­emente, o navio não naufragari­a e não haveria a poluição gerada pelo derrame da carga, com todos os prejuízos daí resultante­s.

Se aplicássem­os as regras do seguro para cargas perigosas, a responsabi­lidade do dono da carga seria automatica­mente reconhecid­a. Afinal, é ele quem contrata este tipo de apólice. E ele só o faz porque, legalmente, ele é o responsáve­l pelos prejuízos decorrente­s de um acidente envolvendo os produtos de sua propriedad­e.

No caso do naufrágio, não seria muito diferente. O proprietár­io da carga seria certamente responsabi­lizado pelos prejuízos causados pelo acidente e sua apólice de responsabi­lidade civil poderia ser acionada para que sua seguradora assumisse as perdas, nos limites do contrato.

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