Cloroquina semeia a discórdia na Fox News
Rede de TV de viés conservador tem parte da equipe defendendo o remédio e outra parcela criticando o tratamento
O estresse da pandemia de coronavírus está pondo à prova os relacionamentos mais íntimos – até o do presidente Donald Trump com a Fox News. Fiel espectador e mais famoso “garoto-propaganda” do canal, Trump abriu fogo contra o jornalista Neil Cavuto, âncora da Fox News que criticou no ar o anúncio de que o presidente americano estaria tomando hidroxicloroquina, medicamento contra a malária que pode trazer riscos para pacientes com coronavírus.
“@FoxNews não é mais a mesma”, Donald Trump lamentou no Twitter na noite de segunda-feira passada. Invocando o nome do finado (e polêmico) criador da Fox News, o presidente acrescentou: “Sentimos falta do grande Roger Ailes. Vocês têm mais gente anti-Trump do que nunca, de longe. Procurando um novo canal de notícia!”.
Ao que parece, na manhã de terça-feira, o presidente já havia feito as pazes com a rede, pois parabenizou o programa matinal Fox & Friends. Mas a desavença jogou luz sobre o melindre de Trump a qualquer sinal de crítica vinda de sua rede de televisão preferida, na qual gurus famosos como Sean Hannity e Steve Doocy transformaram programas da manhã e do horário nobre em plataformas de torcida pró-Trump às vésperas das eleições presidenciais.
Antes do tuíte de Trump, a cloroquina já era assunto delicado na Fox News. A apresentadora do horário nobre Laura Ingraham vinha promovendo incansavelmente a droga como uma potencial cura para o coronavírus, chegando a defendê-la pessoalmente para Trump, dentro do Salão Oval. Mas muitos especialistas, entre eles autoridades da Administração de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês), se opuseram a seu uso no tratamento da doença, citando o risco de graves problemas cardíacos.
‘Chocante’. Na segunda-feira, Cavuto estava apresentando seu programa quando, na Casa Branca, Trump disse a repórteres que tinha começado a tomar hidroxicloroquina como medida preventiva contra o coronavírus. Quando a câmera cortou para Cavuto, o âncora parecia estarrecido. “Isso foi chocante”, disse, mencionando estudos sobre os efeitos potencialmente fatais da hidroxicloroquina em pacientes mais velhos e com problemas cardíacos.
“Se você faz parte de uma população de risco e toma esse remédio como tratamento preventivo contra o vírus – ou, na pior das hipóteses, se você faz parte de uma população vulnerável e já contraiu o vírus – esse remédio vai te matar”, afirmou Cavuto. “Faço questão de repetir: isso vai te matar.”
Cavuto faz parte de uma população vulnerável. Ele tem esclerose múltipla, foi submetido a uma cirurgia cardíaca de emergência em 2016 e sobreviveu ao linfoma de Hodgkin quando ainda tinha 20 e poucos anos. Desde que estourou o surto de coronavírus, ele sempre alerta os telespectadores sobre os riscos da hidroxicloroquina e sobre o perigo de um fim prematuro das quarentenas.
Essas opiniões colocam Cavuto em conflito com muitas das estrelas conservadoras mais proeminentes da emissora – e, sem dúvida, com Trump. A Fox News se recusou a comentar os ataques de Trump. (Uma das personalidades da rede, a meteorologista Janice Dean, defendeu Cavuto no Twitter, escrevendo: “Concordo com Neil. Você não pode simplesmente impor a droga como se fosse uma cura. Não é”.).
Cavuto não foi a única figura da Fox News a criticar o apoio de Trump à droga durante as transmissões. O editor-chefe da rede de notícias para temas de saúde, Manny Alvarez, apareceu no noticiário na segundafeira e qualificou as palavras do presidente como “extremamente irresponsáveis”.
Defesa ferrenha. Minutos após a transmissão de Cavuto, no entanto, o programa de entrevistas The Five elogiou o presidente.
“Quando você dá esse medicamento a pessoas que o toleram, eu não acho que você vai ter qualquer tipo de problema cardíaco ou arritmia ou qualquer coisa assim”, disse Greg Gutfeld, um dos apresentadores.
Gutfeld também minimizou estudo do Departamento de Assuntos de Veteranos dos Estados Unidos que demonstra a relação entre a droga e o aumento do risco de morte em pacientes com coronavírus, afirmando que os resultados tinham sido exagerados por jornalistas que torcem para “que a droga seja um fracasso porque querem o fracasso de Trump”.