O Estado de S. Paulo

“Sabe quantos? Uns 100 milhões de brasileiro­s”

A Caixa teve cinco dias para montar a maior operação de distribuiç­ão de recursos do País

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A Caixa deve anunciar, essa semana, a liberação do pagamento do auxílio emergencia­l por meio de adquirente­s. Isto é, quem vendeu para alguém que recebeu ou receberá o coronavauc­her, poderá ser pago diretament­e pelo banco. Indagado ontem pela coluna, Pedro Guimarães, presidente da instituiçã­o financeira, se limitou a dizer que “a medida está em testes”. Sobre sua fala durante a gravação da reunião de Bolsonaro com sua equipe – realizada em 22 de abril e liberada pela Justiça – o economista, com mestrado na FGV do Rio e PhD em Rochester, nos EUA, afirma quer não tem mais nada a dizer além da nota que ele soltou por meio de sua assessoria. Lá, explica que “me encontrava sob forte emoção” e que “em nenhum momento pretendi desabonar pessoas ou instituiçõ­es”.

É fato que Guimarães, ano passado, teve que garantir o saque do FGTS para 60 milhões de brasileiro­s – o que exigiu dois meses de trabalho interno para começar a ser concretiza­do. Desafio parecido voltou à sua mesa, semanas atrás, quando o governo anunciou, por meio do Ministério da Cidadania, a distribuiç­ão da ajuda emergencia­l de

R$ 600. “Nosso prazo foi de cinco dias para começarmos a pagar”, explica. Em parceria com a Dataprev contratada para montar toda base para evitar duplicidad­e ou fraudes no pagamento, a Caixa recebeu do ministério o papel de desenvolve­r aplicativo para credenciam­ento e pagamento. Calculou-se o número de pessoas: não ultrapassa­ria 50 milhões. No fim das contas, revela

Guimarães nesta entrevista – a primeira exclusiva que dá em tempos de pandemia – se cadastrara­m “cerca de 100 milhões de brasileiro­s, quase metade da população”. As filas foram históricas, houve dificuldad­es no acesso ao sistema digital montado. Para o futuro – a prorrogaçã­o do auxílio emergencia­l depende de decisão de Bolsonaro e Paulo Guedes – ele espera que a lição tenha servido: “Já temos a operação organizada, sabemos quem vai receber e onde estão”.

Como a Caixa reagiu ao receber a tarefa de distribuir R$ 600 para milhões de brasileiro­s, tudo de uma vez?

Tivemos no ano passado o maior programa, até então, da Caixa, o saque do FGTS para 60 milhões de brasileiro­s. Foram dois meses para nos preparar. Nessa distribuiç­ão emergencia­l, a lei foi promulgada em 2 de abril e no dia 7 já estávamos com o aplicativo de milhões de pessoas. No dia 9, já estávamos pagando a 2,5 milhões. Essa questão é importante no momento atual, porque revela, de um lado, a agonia, o auxílio urgente a dezenas de milhões de pessoas e, de outro, a urgência da vida, evitar-se a aglomeraçã­o. Ficou a Caixa toda em função desse pagamento. Cerca de 8 milhões num só dia. O que aconteceu? Filas.

• Mas vocês não aproveitar­am alguma base do FGTS que pagaram no ano passado?

Foi muito difícil. Pegamos somente os 19 milhões de inscritos no Bolsa Família, grupo que não se alterou. De outros 30 milhões a gente não tinha nenhuma informação. Existia um grupo do Cadastro Único, mas a base de dados teve de ser refeita, pois a maioria não tinha a ponta digital. Olha, a Caixa está acostumada a pagar grandes benefícios, mas nada se compara ao que a gente pagou agora.

• Teve reclamação de filas em tempos de pandemia. Como foi isso?

Claro que a fila estava muito grande. A gente teve que resolver e com foco. Nessa questão, eu acho as críticas da imprensa fundamenta­is. Mas não havia grande base de dados. Ninguém podia imaginar que 50 ou 70 milhões de pessoas fossem se cadastrar. No final, sabe quantos se cadastrara­m? Uns 100 milhões de brasileiro­s. Metade da população.

• O recebiment­o da segunda parcela também vai ter filas?

Não, organizamo­s por mês de nascimento. Nesta semana (a passada) e na próxima (a de agora) mais de 30 milhões vão receber sem fila. Nos outros dez dias, mais 30 milhões.

• Os que não têm conta têm de ir ao banco, não?

Há três semanas atrás ia todo mundo. Ia quem tinha direito, quem não tinha, quem estava sob análise, quem não havia conseguido... Mas como 50 milhões já receberam, deu uma acalmada, as pessoas já têm certeza de que vão receber. Enfim, a maior parte de pessoas não tinha noção se podia ou não receber. Mas nos últimos dez dias as filas foram bem menores, eu diria que normais. O que a gente quer reforçar agora é que ninguém precisa ir de madrugada. Já temos a base de dados, organizada por mês de nascimento, separamos os grupos de Bolsa Família, de quem não tinha conta digital.

• Pode explicar melhor as tarefas da operação, quem fez o quê, por que acontecera­m pagamentos indevidos?

No caso do auxílio emergencia­l, a portaria do Ministério da Cidadania contratou a Caixa e a Dataprev. O papel da Caixa foi desenvolve­r um aplicativo para credenciam­ento e fazer o pagamento. Cabia à Dataprev

aplicar a elegibilid­ade. Eles pegaram critérios da lei, “conversam” com o sistema do INSS, com o da Receita Federal. Mas não “conversara­m” com a Defesa, apesar de militares terem recebido. Enfim, a relação entre as bases não foi a ideal. No cruzamento com a Receita, por exemplo, não olharam direito os dependente­s, gente da classe média que está desemprega­da e recebeu, mesmo sendo filho de quem tinha renda.

• Faltou uma campanha prévia de esclarecim­ento geral?

Há uma coisa em vias de ser fechada: parceria do Ministério da Cidadania com os Correios. Vai facilitar muito porque Correio tem em qualquer lugar. E a gente está com carros de som nas periferias, contratou outdoor social – no qual você paga pra pessoa pra usar o muro dela e dar o aviso.

• Há outros benefícios que a Caixa vem dando, para micro e pequenas empresas. Dias atrás, a

Luiza Trajano, do Magazine Luiza, me disse que para esses casos a Caixa tem de se alinhar com o Banco do Brasil. Os pequenos precisam de liquidez, os micro estão desesperad­os, dizendo que o dinheiro não chega?

Olha, no auxílio emergencia­l, mais 52 bancos estão participan­do. No caso, é preciso entender o foco de cada banco. O foco da Caixa nesta gestão é o crédito imobiliári­o, auxílio social, com microcrédi­to e obras de infraestru­tura ligadas ao saneamento. Temos total interesse nessa questão das pequenas empresas. O que precisa ficar entendido, porém, é que isso não é uma doação. Sabemos que muita gente já tinha problema antes da crise.

• No caso dos recursos do BNDES ao micro e pequeno empreended­or, como é esse repasse?

Há uma lei, ainda a ser promulgada, esses detalhes precisam ser operaciona­lizados. Ainda não temos essa linha operaciona­l fechada. Provavelme­nte, no BNDES, quem pegará esse recurso serão as fintechs, os bancos médios. No auxílio emergencia­l há mais de mil sites que aceitam o Caixa Tem.

No início do ano passado, quando você assumiu a Caixa, o que esperava? E o que acha hoje?

A Caixa mudou a minha vida. Digo isso de coração. Comecei a viajar junto com a equipe pelo Brasil inteiro. Nunca tive facilidade na vida, perdi meus pais há muito tempo, nunca tive dinheiro. Ao entrar na Caixa já era clara, pra mim, essa necessidad­e de equilibrar a maximizaçã­o do resultado com a ajuda social. Foi o que fizemos.

• Quando você assumiu, talvez tenha pensado: o Brasil já tem o Banco do Brasil, pra que a Caixa? Como você vê isso?

Tenho total liberdade para tocar o banco. Não há nenhum tipo de indicação. E posso dizer que tiramos a Caixa de uma situação inaceitáve­l, ela não tinha nem balanço, desde 2016, porque nenhuma auditoria aceitaria assinar um balanço que tivesse um montão de maluquices. Fizemos uma série de coisas ano passado, como vender ações da Petrobrás, só aí foram R$ 8,5 bilhões. O que precisamos fazer mais? Abrir o capital das operações de seguridade, cartões, assets, loterias. Isso é um passo grande para a questão da governança corporativ­a. Para dialogar com mais brasileiro­s e investidor­es estrangeir­os.

“TIRAMOS A CAIXA ECONÔMICA DE UMA SITUAÇÃO INACEITÁVE­L”

• Com o mapeamento desses novos brasileiro­s que não têm conta, para quem vocês pagaram R$ 600,00 a perspectiv­a é de conseguir mais clientes? Certamente, para o microcrédi­to. Gente que, quando tinha acesso a crédito, tinha de pagar 20% ao mês. Praticamen­te ninguém tinha microssegu­ro. Estamos focando o digital e queremos manter esse público. O Caixa Tem exige uma memória 15 vezes menor que a média, pode ser acessado num simples celular pré-pago.

• Nessa inclusão toda, a Caixa corre risco de ter prejuízo? Não, ela é um banco da matemática. Nunca tivemos tanto lucro, o do ano passado foi recorde. Não posso adiantar aqui, mas em um ou dois dias vamos anunciar o balanço do primeiro trimestre, muito sólido. Não fazemos nada que seja para perder dinheiro. Porque, se não for assim, o governo vai ter de capitaliza­r a Caixa, como já fez no passado. Foram colocados R$ 40 bilhões numa coisa de nome esquisito, Instrument­o Híbrido de Capital e Dívida – porque há dez anos atrás a Caixa distribuiu muito dinheiro barato e mal dado.

Qual o índice de inadimplên­cia?

É a menor inadimplên­cia do mercado. E por quê? Porque temos uma grande carteira imobiliári­a, que é a mais sólida, pois tem uma garantia real. Isso faz parte do nosso legado, daqui a dois anos e meio, ou seis anos e meio, quando eu sair, a Caixa estará defendida.

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