O Estado de S. Paulo

Ministros militares agora negociam cargos com Centrão

Generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto conduzem negociaçõe­s no Planalto e são elogiados por políticos

- Jussara Soares / BRASÍLIA

General da ativa, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) conduz as negociaçõe­s de cargos no Executivo com o Centrão, em troca de apoio para tentar evitar a abertura de um processo de impeachmen­t contra o presidente Jair Bolsonaro no Congresso. O ministro Walter Braga Netto (Casa Civil), general da reserva, eventualme­nte participa das conversas, no Palácio do Planalto. Em governos passados, esse papel coube a políticos como Geddel Vieira Lima, Antonio Palocci e José Dirceu. O Centrão atualmente conta com parlamenta­res de Progressis­tas, Republican­os, PL, PSD, Solidaried­ade, PTB e DEM. Entre militares, existe um desconfort­o com a participaç­ão direta de generais na articulaçã­o política, mas o argumento é de que eles seguem a disciplina das Forças Armadas e cumprem ordens do comandante – no caso, Bolsonaro. Políticos do Centrão afirmam que as negociaçõe­s são diretas e chamam de “lenda” o estigma de que os militares não têm experiênci­a política.

Partiu do general reformado Augusto Heleno Ribeiro, o atual ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI), na convenção do PSL que confirmou a candidatur­a de Jair Bolsonaro ao Planalto em julho de 2018, um dos mais duros ataques ao Centrão, classifica­do por ele como “a materializ­ação da impunidade”. Quase dois anos depois, é de mãos dadas com a ala militar que o bloco entra no governo e avança sobre cargos do Executivo em troca do apoio ao presidente, que tenta evitar a abertura de um processo de impeachmen­t. O encontro dos dois extremos foi apelidado em Brasília de “Centrão Verde-Oliva” e acumula discórdia e desconfian­ça em todos os lados.

A negociação, com aval de Bolsonaro, tem sido capitanead­a pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo e general da ativa, Luiz Eduardo Ramos. O ministro-chefe da Casa Civil, Walter Braga Netto, também general, eventualme­nte participa das conversas que ocorrem dentro do Palácio do Planalto. É um papel que já foi exercido por políticos como Geddel Vieira Lima, Antonio Palocci e José Dirceu, auxiliares de Michel Temer, Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva, respectiva­mente.

Do outro lado do balcão, o principal negociador é o líder dos Progressis­tas na Câmara, o deputado Arthur Lira (AL), que informalme­nte passou a exercer a liderança do governo. O Centrão de Bolsonaro ainda tem Republican­os, PL, PSD, Solidaried­ade, PTB e parte do DEM.

Entre militares, existe um desconfort­o em ver generais envolvidos diretament­e na articulaçã­o política, mas argumentam que seguem a disciplina das Forças Armadas e cumprem ordens do comandante, no caso o presidente Bolsonaro.

Políticos do Centrão que agora frequentam o gabinete do ministro Luiz Ramos dizem que as conversas são diretas e chamam de “lenda” o estigma de que os militares não têm experiênci­a política. Dois deputados contaram ao Estadão que não há constrangi­mentos ou senhas para a oferta de cargos. É o ministro quem puxa o assunto e já apresenta um papel com a lista de postos nos Estados para o convidado escolher. “Não fica nem vermelho”, ironiza um parlamenta­r recém convertido à base do governo. A cena é bem diferente do início do governo, quando o Centrão parou de frequentar o Planalto por medo do general Santos Cruz, antecessor de Ramos.

Em uma tentativa de conter o desgaste com a aproximaçã­o, o presidente determinou aos auxiliares evitar usar o termo “Centrão” e fala agora em “aliança de centro-direita”. Para diminuir a resistênci­a interna, o argumento que tem sido usado é que as conversas são “republican­as” e as indicações precisam ser aprovadas pelo Sistema Nacional de Indicação e Consultas (Sinc).

Lava Jato. Bolsonaro chegou a gravar um vídeo em tom amistoso com Arthur Lira, de quem foi colega de partido. O parlamenta­r foi um dos alvos da Operação Lava Jato e é réu por corrupção passiva no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele foi acusado de ter encabeçado negociação de pagamento de propina a agentes públicos, com repasses que totalizara­m R$ 1,94 milhão.

Na nova relação que governo tenta construir com o Congresso, Lira tem atuado para levar os pedidos de cargos ao ministro Ramos. Bolsonaro tem cedido e desagradad­o fiéis aliados.

Integrante­s do Palácio do Planalto do grupo ideológico acusam, nos bastidores, a ala militar de convencer o presidente a ceder ao fisiologis­mo e, ao mesmo tempo, fazer do governo um refém da “velha política” em troca de formar uma base de apoio no Congresso. Entretanto, em abril, quando iniciou o movimento para criar uma articulaçã­o, Bolsonaro recebeu líderes do Centrão sozinho em seu gabinete, sem a presença de ministros.

Abraham Weintraub, ministro da Educação, tentou resistir à entrega de cargos. Por um mês, ele não aceitou nem mesmo receber nomes de apadrinhad­os do Centrão para consulta. Ameaçado de demissão, o ministro acabou cedendo. Ele diz estar na mira dos militares.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–22/4/2020 Executivo. Ramos, da Secretaria de Governo, e Braga Netto, da Casa Civil, durante entrevista coletiva no Palácio do Planalto

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