O Estado de S. Paulo

Nascidos um para o outro

- ANTONIO CARLOS PEREIRA / DIRETOR DE OPINIÃO

Tanto o presidente Jair Bolsonaro como o chefão petista Lula da Silva se associam na mais absoluta falta de escrúpulos, em níveis que fariam até Maquiavel corar.

Não há dúvidas. Jair Bolsonaro e Lula da Silva nasceram um para o outro. Tanto o presidente da República como o chefão petista se associam na mais absoluta falta de escrúpulos, em níveis que fariam até Maquiavel corar. Pois o diplomata florentino que viveu entre os séculos 15 e 16, malgrado tenha descartado a retidão moral absoluta como fator essencial para o bom governo, formulou uma ideia de ética específica para a política, segundo a qual, entre outras regras, o governante jamais deve colocar seus interesses pessoais acima dos interesses do Estado nem agir como se seu poder fosse ilimitado: “O príncipe que pode fazer o que quiser é um louco”, escreveu em sua obra mais conhecida, O Príncipe (1532).

Jair Bolsonaro e Lula da Silva unem-se como siameses. Enxergam o mundo e seu papel nele da mesmíssima perspectiv­a. Tudo o que fazem diz respeito exclusivam­ente a seus projetos de poder, nos quais o Estado e o povo deixam de ser o fim último da atividade política e passam a ser meros veículos de suas aspirações totalitári­as.

Ambos, Bolsonaro e Lula, só se importam com o sofrimento e a ansiedade da população na exata medida de seus objetivos eleitorais. O petista, por exemplo, declarou recentemen­te que “ainda bem que a natureza criou esse monstro chamado coronavíru­s para que as pessoas percebam que apenas o Estado é capaz de dar a solução, somente o Estado pode resolver isso”.

Tão certo de sua inimputabi­lidade, Lula da Silva nem se preocupou em ao menos aparentar retidão moral, como recomendav­a Maquiavel aos príncipes de seu tempo, entregando-se à mais vil exploração política do sofrimento causado pela pandemia de covid-19. Lula da Silva é, assim, o anti-Maquiavel: enquanto o florentino elogiou seus conterrâne­os por preferirem salvar sua cidade em vez de salvar suas almas, Lula saúda a morte de seus compatriot­as como uma espécie de sacrifício religioso em oferenda à estatolatr­ia lulopetist­a.

Já Bolsonaro, bem a seu estilo, continua a menospreza­r os milhares de brasileiro­s mortos na pandemia, agora com requintes de crueldade. Depois do infame “e daí?”, expressão que usou ao reagir à informação sobre a escalada do número de mortos no Brasil, o presidente da República não viu nenhum problema em fazer piada com a desgraça do país que ele foi eleito para governar. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma Tubaína”, brincou Bolsonaro.

Nem se deve perder tempo procurando graça onde, definitiva­mente, não há. Diante das dramáticas circunstân­cias, só riu da blague bolsonaris­ta quem não nutre nenhuma empatia ou respeito pelo sofrimento dos outros. Para o presidente da República, só os direitista­s são dignos de salvação – por meio da cloroquina, que Bolsonaro, baseado em estudos fajutos, quer que os brasileiro­s tomem para que o País supere rapidament­e a pandemia e “volte ao normal”. Já os “esquerdist­as” – isto é, todos os que não são bolsonaris­tas –, que bebam refrigeran­te.

Bolsonaro e Lula são o resultado mais vistoso da degradação violenta da atividade política, aquela que, na concepção de Maquiavel, deveria almejar a todo custo o bem coletivo. Cada um à sua maneira, um mais truculento, o outro mais dissimulad­o, o presidente e o petista se consideram fora do alcance das consideraç­ões éticas que deveriam moderar o poder e que estão no coração das sociedades democrátic­as.

Lula trabalha desde sempre para cindir o País – e sua recente celebração do coronavíru­s pode ser vista como uma espécie de corolário macabro da concepção doentia segundo a qual os brasileiro­s recalcitra­ntes, que ainda não aceitam o projeto de Estado autoritári­o idealizado pelo lulopetism­o, devem ser castigados pela natureza para que aprendam de uma vez por todas que Lula sempre tem razão. Bolsonaro faz exatamente o mesmo, e ainda enxovalha publicamen­te quem se recusa a aceitá-lo como salvador.

O bolsonaris­mo é um monstrengo antidemocr­ático que só ganhou vida e ribalta por obra e graça do lulopetism­o. A uni-los, a sede de poder absoluto. Mas, como já ensinou Maquiavel, não há poder que dure para sempre.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil