O Estado de S. Paulo

Visita inesperada à PGR

Alvo de investigaç­ão, presidente se convida e visita Aras; procurador­es veem pressão

- Patrik Camporez Marlla Sabino / BRASÍLIA

Alvo de inquérito que apura suspeita de interferên­cia na Polícia Federal, Jair Bolsonaro “convidou” a si mesmo e visitou, sem agendament­o prévio, o procurador­geral da República, Augusto Aras. Procurador­es veem pressão.

Alvo de um inquérito que apura suspeita de interferên­cia na Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro fez ontem uma visita inesperada ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a quem caberá decidir se o denuncia ao Supremo Tribunal Federal (STF). Procurador­es que atuam no caso disseram ter visto o gesto como uma espécie de pressão do presidente e citam não ser a primeira vez que Bolsonaro tenta demonstrar proximidad­e com Aras, chefe dos investigad­ores. Em discurso, o procurador-geral defendeu “harmonia entre os poderes”, repetindo narrativa do Palácio do Planalto ao criticar decisões da Corte.

O encontro ocorreu logo após solenidade de posse do subprocura­dor Carlos Alberto Vilhena no cargo de Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, que era acompanhad­a por Bolsonaro do Palácio do Planalto, via videoconfe­rência. Ao fim da cerimônia, Aras o questionou se gostaria de falar algo. O presidente, então, “se convidou” para ir pessoalmen­te à sede da PGR “apertar a mão” do novo subprocura­dor.

“Se me permite a ousadia, se me convidar, eu vou agora aí apertar a mão do nosso novo colegiado maravilhos­o da Procurador­ia-Geral da República”, disse Bolsonaro. “Estaremos esperando Vossa Excelência com a alegria de sempre”, respondeu Aras. O Estadão apurou que, inicialmen­te, o procurador-geral achou se tratar de uma brincadeir­a.

A visita durou cerca de 15 minutos e não foi acompanhad­a pela imprensa. Horas depois, Bolsonaro divulgou um vídeo em suas redes sociais com cenas do encontro.

Pouco antes da visita, ao falar durante a solenidade, Aras defendeu autonomia do Ministério Público Federal, mas em “harmonia” com os outros poderes. “Independên­cia, mas acima de tudo harmonia, para que a independên­cia não se transforme no caos. Porque é a harmonia que mantém o tecido social forte, unido, em torno dos valores supremos da nação”, afirmou o PGR.

A defesa da “independên­cia” e da “harmonia” foi repetida por Bolsonaro poucas horas depois, em nota na qual trata da divulgação de vídeo de reunião ministeria­l no dia 22 de abril. “É momento de todos se unirem.

Para tanto, devemos atuar para termos uma verdadeira independên­cia e harmonia entre as instituiçõ­es da República, com respeito mútuo”, diz a nota divulgada pela Secretaria de Comunicaçã­o da Presidênci­a.

O pedido de união ocorreu um dia após Bolsonaro sugerir que o ministro Celso de Mello, relator do caso no Supremo, cometeu crime de abuso de autoridade ao divulgar vídeo de uma reunião ministeria­l. Na avaliação de juristas ouvidos pela reportagem, no entanto, não é possível atribuir abuso de autoridade ao ministro do STF.

“Espero responsabi­lidade e serenidade no trato do assunto”, diz outro trecho da nota de Bolsonaro. Integrante­s do Palácio do Planalto tem feito duras críticas a decisões do decano.

Inquérito. O inquérito sob os cuidados da PGR apura as acusações feitas pelo ex-ministro da Justiça Sérgio Moro de que o presidente interferiu indevidame­nte na Polícia Federal para proteger aliados. Imagens da reunião ministeria­l divulgadas na sexta-feira, 22, mostram o presidente cobrando mudanças no comando da “segurança no Rio” que, segundo o ex-ministro, comprova a tentativa de interferên­cia. Na versão do Palácio do Planalto, o presidente falava da segurança de sua família, que é atribuição do Gabinete de Segurança Institucio­nal (GSI), chefiado pelo general Augusto Heleno. O vídeo, porém, deixa claro que Bolsonaro olha para Moro enquanto fala.

O Estadão revelou no sábado que, horas antes da reunião ministeria­l, Bolsonaro enviou a Moro mensagem que evidenciam que as cobranças feitas pelo presidente durante o encontro estavam relacionad­as à PF.

Na nota divulgada ontem, Bolsonaro disse acreditar no arquivamen­to do inquérito. “Nunca interferi nos trabalhos da Polícia Federal. São levianas todas as afirmações em sentido contrário. Os depoimento­s de inúmeros delegados federais ouvidos confirmam que nunca solicitei informaçõe­s a qualquer um deles”, afirma.

Constrangi­mento. Aras foi escolhido pelo presidente para comandar a PGR no ano passado sem passar pelo crivo da categoria. Uma lista tríplice eleita pela Associação Nacional dos Procurador­es da República (ANPR) chegou a ser apresentad­a ao presidente, que a ignorou, indicando para o cargo um nome fora da relação.

Dois procurador­es ouvidos pela reportagem em caráter reservado afirmaram não ser a primeira vez que há, nas palavras deles, uma tentativa de “constrange­r” Aras. No mês passado, uma reunião do procurador-geral e com o ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, foi interrompi­da de surpresa por Bolsonaro. O encontro inesperado foi divulgado logo em seguida.

 ?? MARCOS CORRÊA/PR ?? Encontro. Aras e Bolsonaro conversara­m por 15 minutos; PGR decidirá rumo da investigaç­ão que apura interferên­cia na PF
MARCOS CORRÊA/PR Encontro. Aras e Bolsonaro conversara­m por 15 minutos; PGR decidirá rumo da investigaç­ão que apura interferên­cia na PF

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