O Estado de S. Paulo

Bolsonaro fez pressão por norma, diz Moro

Ex-ministro afirma que não se opôs a assinar portaria que aumentou acesso a armas no País para evitar novo conflito com presidente

- Patrik Camporez / BRASÍLIA / MARLLA SABINO e MARCELO GODOY

O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro disse que sofreu pressão do presidente Jair Bolsonaro para aprovar a portaria que aumentou em três vezes o acesso a munições no País. Ao Estadão, Moro revelou que não se opôs ao presidente para não abrir um novo “flanco” de conflito no momento em que tentava evitar a troca no comando da Polícia Federal, o que ele considera que daria margem para uma interferên­cia indevida no órgão.

“A portaria elaborada no MD

(Ministério da Defesa) foi assinada por conta da pressão do PR

(Presidente da República) e naquele momento eu não poderia abrir outro flanco de conflito com o PR”, disse o ex-ministro. Moro falou com o Estadão

após o jornal revelar, no domingo, que a portaria do governo que permitiu o aumento na venda de munições foi fundamenta­da em parecer de três linhas assinado pelo general Eugênio Pacelli, dias após ele ter sido exonerado da Diretoria de Fiscalizaç­ão de Produtos Controlado­s.

Após a publicação da norma, o número de munição permitida por registro de arma de fogo passou de 200 para 600. No País, 379.471 armas estão nas mãos da população, segundo a Polícia Federal. Dessa forma, o novo decreto pode possibilit­ar a compra de 227.682.600 balas (600 munições por arma).

A pressão de Bolsonaro para armar a população e aprovar a portaria ficou evidente com a divulgação da reunião ministeria­l do dia 22 de abril. O vídeo, que veio à tona na última sextafeira por determinaç­ão do Supremo Tribunal Federal (STF), mostra Bolsonaro determinan­do a Moro e ao ministro da Defesa,

Fernando Azevedo, que providenci­em a portaria. A norma foi publicada no dia seguinte no Diário Oficial da União.

“Peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assinem essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta! Por que eu tô armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! E não dá para segurar mais! Não é? Não dá pra segurar mais”, disse Bolsonaro, na frente dos outros ministros.

O presidente desferia xingamento­s a governador­es e prefeitos, que, na visão dele, se aproveitam da população desarmada para impor medidas que considera “ditatoriai­s”, como o isolamento durante a pandemia do novo coronavíru­s.

Em entrevista ao Fantástico, da TV Globo, o ex-ministro comentou sobre o assunto. Moro justificou por que não questionou a ordem de Bolsonaro: “Não há espaço ali dentro das reuniões – me pareceu muito claro –, não existe um espaço ali para o contraditó­rio”. E confirmou que assinou a portaria devido à pressão do presidente e não por estar de acordo com ela ou haver elementos técnicos para justificá-la.

E-mail. Como revelou o Estadão, o parecer do general Pacelli foi enviado à assessoria jurídica do Ministério da Defesa às 22h18 de 15 de abril, por um email particular. A exoneração dele saiu no DOU dia 30 de março, mesmo dia em que seu substituto foi nomeado.

Após a divulgação da reportagem, anteontem, o Ministério da Defesa encaminhou nota para afirmar que Pacelli “estava em pleno exercício legal do seu cargo ao assinar os documentos”. Segundo o ministério, uma regra expressa do art. 22 da Lei 6.880/80 permite que o militar possa assinar atos mesmo já exonerado e com um substituto nomeado em seu lugar.

Especialis­tas em direito administra­tivo ouvidos pelo Estadão considerar­am “grave” e possível “fraude” a decisão do Ministério da Defesa de utilizar um parecer de um general exonerado e sem função numa portaria para aumentar o limite de compra de munições.

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DIDA SAMPAIO/ESTADÃO–13/4/2020 Ordem. Em reunião, Bolsonaro pediu a Moro e a Azevedo e Silva (Defesa) assinatura da norma

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