O Estado de S. Paulo

Relatório da PF indicou vazamento da Furna da Onça

Documento diz que suposto informante por ser integrante de órgão de investigaç­ão, como o MPF, a Justiça ou a própria PF

- Ricardo Brandt

Relatório da Polícia Federal que indiciou os alvos da operação Furna da Onça apontou suposto vazamento de informaçõe­s sigilosas, indicando a existência de um informante chamado de “amigo” pelos investigad­os e que teria como “ajudar a monitorar a ação dos investigad­ores”. Entre os indiciados nesta operação estão os ex-presidente­s da Assembleia Legislativ­a do Rio (Alerj), Paulo Melo e Jorge Picciani, o ex-governador Sérgio Cabral e o ex-líder do governo Edson Albertassi – todos do MDB.

“É importante destacar os fortes elementos que apontaram o vazamento de informaçõe­s da presente investigaç­ão, quando da deflagraçã­o da operação policial, o que demonstra que a orcrim (organizaçã­o criminosa) continua tendo ‘tentáculos’ que podem alcançar órgãos de investigaç­ão, demonstran­do que são atuais e graves as consequênc­ias da articulaçã­o criminosa dos investigad­os”, escreveu a delegada da PF do Rio, Xênia Ribeiro Soares, no relatório final preliminar da Furna da Onça.

O relatório, datado de 5 de dezembro de 2018, foi enviado ao Ministério Público Federal e ao Tribunal Regional Federal da 2.ª Região (TRF-2). As suspeitas de vazamento, no entanto, tornaram-se de conhecimen­to público no dia seguinte à deflagraçã­o da operação.

Em 2019, a PF abriu nova investigaç­ão, mas foi encerrada sem indicar a origem dos vazamentos. O caso foi retomado semana passada, após o empresário Paulo Marinho afirmar que ouviu do senador Flávio Bolsonaro

(Republican­os-RJ) que um delegado da PF do Rio “simpatizan­te” da família Bolsonaro teria vazado dados da Furna da Onça, entre o primeiro e o segundo turno das eleições.

Flávio classifico­u a acusação de “invenção” e disse que Marinho tem interesse em prejudicá-lo, já que é seu suplente no Senado e pré-candidato do PSDB à prefeitura do Rio.

O relatório final preliminar da Furna da Onça lista pelo menos cinco fatos descoberto­s com a deflagraçã­o da operação, em 8 de novembro de 2018, que indicavam, já naquela ocasião, a atuação dos investigad­os para destruir provas, atrapalhar a apuração e a ação da Justiça.

‘Integrante’. Um dos mais extensos episódios registrado­s no relatório da PF envolve “um conjunto de 75 páginas escritas à mão ou impressas” apreendido na casa de Andréia Cardoso do Nascimento. Parte teria sido escrita de dentro da cadeia pelo irmão de Andréia, Fábio Cardoso do Nascimento, antes da deflagraçã­o da Furna da Onça.

A delegada destaca a preocupaçã­o dos alvos, registrada nos bilhetes escritos pelos presos da Furna da Onça, em manter “pessoa a quem se refere como ‘ele’” na cadeia. O relatório sugere que, possivelme­nte, “ele” seria “algum integrante de qualquer dos órgãos envolvidos nas atividades de investigaç­ão, como a própria Polícia Federal, o Ministério Público Federal, ou mesmo a Justiça”.

“Vc precisa continuar conversand­o com amigo, outras operações vão surgir com continuaçã­o das investigaç­ões das empresas citadas. Vão tentar manter ele aqui com novos dados. Veja se estão agindo e fazer o que tem que ser feito”, diz trecho de um dos bilhetes apreendido­s. “O extrato acima demonstra que Fábio Cardoso tem exata noção de que há mais fatos sendo investigad­os que o implicam, tanto que orienta alguém – provavelme­nte um de seus advogados – para que dedique especial atenção às prováveis investigaç­ões em curso, e para isso deveria manter contato com pessoa a qual se refere como ‘amigo’”, registra a PF.

Fábio e Andréia foram presos pela primeira vez em novembro de 2017, na operação Cadeia Velha, que antecedeu a Furna da Onça. Ambas são desdobrame­ntos da Lava Jato. Andréia foi exchefe de gabinete de Paulo Melo, na Alerj. Fábio é apontado como operador de Melo e também ex-assessor de Picciani. Em 22 de agosto de 2018, os irmãos foram soltos, e presos novamente na Furna da Onça.

Para a PF, os bilhetes mostram que Paulo Melo e os assessores atuaram em ações de contrainte­ligência, monitorand­o investigad­ores e buscando ocultar rastros dos crimes, atrapalhan­do as apurações e obstruindo a ação policial e da Justiça.

Ouvido na Furna da Onça, Paulo Melo disse que nunca conversou com Fábio “sobre nenhuma daquelas orientaçõe­s” e nunca deu “qualquer orientação para Fábio destruir ou ocultar qualquer prova.” O autor dos bilhetes foi interrogad­o em novembro de 2018, e negou o envio deles para fora da cela.

“É importante destacar os fortes elementos que apontaram o vazamento de informaçõe­s da presente investigaç­ão.”

TRECHO DO RELATÓRIO FINAL

PRELIMINAR DA FURNA DA ONÇA

 ?? ESTEFAN RADOVICZ/AGÊNCIA O DIA–8/11/2018 ?? Rio. Policiais conduzem presa na operação Furna da Onça
ESTEFAN RADOVICZ/AGÊNCIA O DIA–8/11/2018 Rio. Policiais conduzem presa na operação Furna da Onça

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