O Estado de S. Paulo

Órgãos de controle só agem na plenitude se tiverem transparên­cia

- Roberto Dias PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCI­ONAL DA FGV-SP

Ontem, Jair Bolsonaro se convidou para ir à Procurador­ia-Geral da República conversar com Augusto Aras, a autoridade que, após pronunciam­ento do ex-ministro Sérgio Moro, pediu a abertura de inquérito para apurar a prática de eventuais crimes praticados pelo presidente da República. A suspeita é de interferên­cia ilegal na atuação da Polícia Federal. Será Aras quem decidirá pela denúncia ou não contra o chefe de Estado, após a apuração dos fatos no âmbito do inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal.

O que Bolsonaro pretendia com o autoconvit­e? Não se sabe ao certo. Sem dúvida, é saudável o diálogo respeitoso e republican­o entre as instituiçõ­es do Estado. Mas, há uma liturgia a ser seguida para que isso ocorra. Qual era a pauta da reunião? Do que se tratou durante o encontro? A violação das formalidad­es pode indicar o propósito de constrange­r ou pressionar o visitado, como, aliás, parece ter sido a intenção do presidente ao fazer, no início do mês, uma visita surpresa ao Supremo Tribunal Federal.

Todas essas dúvidas não existiriam se o respeito ao princípio da publicidad­e e a reverência às instituiçõ­es democrátic­as estivessem arraigados na mente e nos gestos do governante de plantão. Mas, como diz Norberto Bobbio, o poder autocrátic­o “tende a esconder suas reais intenções no momento em que suas decisões devem tornar-se públicas”.

Faria bem à democracia se o presidente desse mais atenção não só aos dizeres de Bobbio, mas também aos de Celso de Mello, que, numa decisão de 1991, já afirmava que a nossa Constituiç­ão “rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta”. Com transparên­cia, os mecanismos de controle do poder agem com plenitude. Mas parece que o presidente pretende evitar exatamente isso.

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