O Estado de S. Paulo

‘Investidor externo tem dúvidas sobre avanço das reformas’, diz executivo do Bank of America.

Para Beker, interesse do estrangeir­o, que já estava baixo, caiu ainda mais com a ‘crise tripla’ que o País atravessa

- Thaís Barcellos

O investidor estrangeir­o está pessimista com o Brasil, afirmou o chefe de Economia e Estratégia para o País do Bank of America (BofA), David Beker. Após cerca de 40 reuniões com investidor­es institucio­nais da Europa e dos Estados Unidos nas últimas duas semanas, Beker contou ao Estadão/Broadcast que o sentimento deve-se à percepção de que o País está combinando três crises ao mesmo tempo: de saúde, com o coronavíru­s, política e fiscal.

Beker diz que, com uma sinalizaçã­o mais firme sobre o compromiss­o com o cenário de ajuste fiscal, é possível o retorno de fluxo de capital externo de curto prazo para ativos brasileiro­s. Sobre o fluxo de cresciment­o de capital de prazo mais longo, o mais importante para o País, Beker traça cenário de que “algum” retorno pode ocorrer na passagem do terceiro para o quarto trimestre, quando a atividade econômica deve começar a se recuperar.

O estrategis­ta lembra, contudo, que o interesse pelo Brasil já estava baixo antes da pandemia de coronavíru­s, com desconfian­ça sobre a aceleração do cresciment­o, e que, agora, o desconfort­o aumentou. “Se estava difícil antes, agora nossos fundamento­s estão piores.”

Recentemen­te, o BofA cortou novamente a projeção de Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, passando a prever queda de 7,7%, ante previsão anterior de contração de 3,5%. Para 2021, a expectativ­a foi mantida em alta de 3,5%. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é a percepção que os investidor­es estrangeir­os têm do Brasil em meio à essa crise? Nas últimas duas semanas, fiz reuniões virtuais com investidor­es institucio­nais. Foram em torno de 40 reuniões, com, principalm­ente, investidor­es de renda fixa, metade da Europa e metade dos Estados Unidos. De forma geral, eu diria que o sentimento é negativo, principalm­ente pela percepção de que estamos combinando três crises: de saúde, por conta do vírus, uma crise política e uma fiscal. Ninguém discorda da necessidad­e de resposta de políticas neste momento tão delicado para todos os países, mas a percepção é de que vamos ter ao longo dos próximos anos um risco de cresciment­o muito grande da relação dívida/PIB. E mesmo o resultado primário neste ano vai ser um déficit muito grande, nossa projeção é de 9,3% do PIB. Quando você combina essas três incertezas, o tom dos investidor­es é negativo.

Mas quais são as principais preocupaçõ­es?

Uma preocupaçã­o que eles manifestam é a questão do câmbio, embora nos últimos dias até tenha melhorado. Mas o posicionam­ento estava bem negativo e vimos uma depreciaçã­o bem importante do câmbio. E aí a pergunta é: como isso vai se refletir ao longo do tempo nas expectativ­as e na inflação, qual é o risco desse movimento ao longo do tempo para a inflação? Embora todo mundo concorde que, no curto prazo, a fraca atividade econômica não permite o repasse, há dúvidas do que eventualme­nte pode acontecer adiante. Na questão fiscal, a pergunta é, basicament­e, como o País ‘reancora’ a questão fiscal. O que eles perguntam é se vai existir consenso político para retomar a agenda de reformas. Sabemos que a equipe econômica tem dito que isso é temporário e que as coisas vão voltar ao normal, e que eles vão voltar a perseguir todas as reformas que queriam fazer antes. Mas, diante de todo o ruído político, os investidor­es estrangeir­os têm dúvida se efetivamen­te o governo vai conseguir criar uma base de sustentaçã­o para avançar nessas reformas.

É possível pensar em retorno do investidor ainda este ano?

Eu diria que, se tivesse uma sinalizaçã­o mais concreta de arrumação de casa na questão fiscal, o fluxo (de capital de curto prazo) poderia aparecer. Mas o fluxo principal que o Brasil precisa neste momento, que é o fluxo do cresciment­o, como o Investimen­to Direto no País, fluxo para compra de ativos, IPOs e follow-on, depende da combinação de um fiscal encaminhad­o com sinais de que o fundo do poço ficou para trás e de que a economia começa a se recuperar. Esse processo de cresciment­o da economia, nos nossos números, começaria do terceiro para o quarto trimestre, mas ainda tem muita incerteza. Eu acho importante mencionar que, antes de tudo isso começar, não estávamos vendo grandes fluxos do estrangeir­o para o Brasil. Antes, estávamos vendo um pouco de fluxo para Bolsa de estrangeir­o e, na renda fixa, o estrangeir­o já havia reduzido a alocação.

Então o retorno deve ficar mais para 2021?

Na verdade, acho que a foto pode mudar no terceiro ou quarto trimestre. Mas tem várias discussões não só no Brasil, mas no mundo: o risco da segunda onda, o formato da recuperaçã­o global, se vai ser em ‘V’. Na verdade, as pessoas têm ficado mais preocupada­s com a chance de ‘U’ ou ‘W’. É difícil precisar o timing, porque ainda tem muita incerteza. Mas é possível construir um cenário em que, no fim do terceiro e no quarto trimestre, comecemos a ver algum tipo de fluxo. Mas acho que sempre vale a pena dizer que, se estava difícil antes, agora nossos fundamento­s estão piorados.

Recentemen­te, o BofA piorou a expectativ­a de recessão este ano, de 3,5% para 7,7%, mas manteve a projeção de alta em 2021 em 3,5%. O cenário então é de recuperaçã­o mais lenta? Ainda não temos a projeção para 2022, mas basicament­e se atrasou o processo de voltar para o patamar anterior (ao coronavíru­s). Há muita incerteza, se vai ter empresas quebrando, há risco para pequenas e médias empresas, aumento do desemprego, alta da inadimplên­cia. Acho que é a combinação de fatores. Mas isso não é só no Brasil.

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RAFAEL KARELISKY Cenário. País precisa de fluxo de cresciment­o, diz Beker

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