O Estado de S. Paulo

Desoneraçã­o da folha de salários

- BERNARD APPY DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

Com o esperado aumento do desemprego por causa da crise do coronavíru­s, têm surgido no debate propostas de desoneraçã­o da folha de salários para acelerar a recuperaçã­o do emprego. É essencial, no entanto, que se entenda de que forma a desoneraçã­o da folha se relaciona com a geração de empregos – conjuntura­l e estrutural­mente.

Tanto a teoria quanto a prática indicam que, no longo prazo e em mercados de trabalho competitiv­os, mudanças na tributação da folha de salários tendem a se refletir em mudanças na remuneraçã­o dos empregados. Do ponto de vista estrutural, é essencialm­ente indiferent­e se a contribuiç­ão é recolhida pelo empregador ou descontada do salário do empregado.

Como política de emprego de longo prazo, portanto, a desoneraçã­o da folha de salários não parece ser uma boa opção. Mas há duas situações em que a redução das contribuiç­ões incidentes sobre a folha pode fazer sentido.

A primeira é quando há, conjuntura­lmente, um elevado grau de desemprego. Neste caso, a desoneraçã­o da folha de salários pode ter algum efeito sobre o nível de emprego formal, até que o mercado de trabalho retorne à normalidad­e. Seria, no entanto, uma medida temporária que deveria viger apenas durante a fase de alto desemprego, até porque é importante que haja uma correlação entre as contribuiç­ões incidentes sobre a remuneraçã­o dos trabalhado­res e os benefícios financiado­s por essas contribuiç­ões.

A segunda situação, que merece uma análise mais aprofundad­a, diz respeito aos trabalhado­res que ganham um salário mínimo (SM). Nesse caso, a redução do custo para as empresas pode viabilizar a contrataçã­o de um número maior de empregados de baixa renda, mesmo no longo prazo.

No Brasil, esse incentivo é ainda maior, pois os benefícios previdenci­ários financiado­s pela formalizaç­ão do emprego tendem a ter pouco valor para os trabalhado­res de baixa renda. Isso ocorre porque os benefícios não contributi­vos para idosos – como o benefício do BPC-LOAS e a aposentado­ria do segurado especial rural – são concedidos na mesma idade (ou até mais cedo, no caso do segurado especial rural) e têm o mesmo valor (um SM) que o piso dos benefícios previdenci­ários. Do ponto de vista econômico, a diferença entre o custo das contribuiç­ões sobre folha e o valor percebido dos benefícios gerados é equivalent­e a um imposto sobre a renda dos trabalhado­res formais de menor renda.

Nesse contexto, a melhor medida para estimular a geração de empregos formais no longo prazo seria reduzir significat­ivamente as contribuiç­ões sobre folha incidentes sobre o primeiro salário mínimo da remuneraçã­o de todos os trabalhado­res. Idealmente, tal medida deveria vir acompanhad­a da criação de uma renda básica universal para todos os idosos – que, na prática, já é quase a realidade, uma vez que cerca de 90% das pessoas com mais de 65 anos no País já recebem algum benefício previdenci­ário ou assistenci­al com valor igual ou superior a um salário mínimo.

Precisamos de uma medida que não só ajude a retomar o emprego no pós-crise, mas que reduza a informalid­ade

Outra grande vantagem da desoneraçã­o do primeiro salário mínimo é que ela facilitari­a enormement­e a formalizaç­ão – para fins previdenci­ários – de todos os trabalhado­res do País. Na prática, todos os trabalhado­res (inclusive os informais) e sua respectiva renda se tornariam visíveis para o poder público, o que facilitari­a muito a calibragem de programas assistenci­ais, inclusive programas temporário­s, como o atual auxílio emergencia­l de R$ 600,00.

É verdade que já existem programas que vão nesta direção – em particular o regime dos microempre­endedores individuai­s (MEI) –, mas as regras de acesso a tais programas ainda são restritiva­s. O ideal seria um regime universal e simples de formalizaç­ão de todos os trabalhado­res brasileiro­s. Trata-se de uma medida que não apenas contribuir­ia para a retomada do emprego no pós-crise, mas também, e principalm­ente, para uma redução estrutural da informalid­ade.

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