O Estado de S. Paulo

O Brasil de Jajá

- PEDRO FERNANDO NERY E-MAIL : PEDROFNERY@GMAIL.COM ESCREVE ÀS TERÇAS-FEIRAS DOUTOR EM ECONOMIA

Perdemos o (muito) jovem economista Jailison Silveira. Auditor do Tesouro Nacional, ocupou cargos importante­s no Ministério da Economia. Era vice-presidente da Associação dos Servidores do Tesouro Nacional (ASTN), de que foi um dos fundadores. Com sua liderança, a associação rapidament­e se diferencio­u das demais organizaçõ­es do funcionali­smo. Parecia menos pautada pelo simples corporativ­ismo e mais pelo debate propositiv­o, em que pregava o ajuste fiscal coerente.

A entidade que Jailison criou questionav­a a reforma da Previdênci­a: não por ser contrária a ela, mas porque deveria ser igualmente abrangente com os militares. Questionav­a o ajuste fiscal, não por negar sua necessidad­e, mas pela sua ênfase unicamente nas despesas, ignorando frequentem­ente privilégio­s concedidos que deterioram a arrecadaçã­o. As tais incoerênci­as.

O Brasil de Jailison está bem presente, entre outras documentos, na publicação que elaborou junto com outros auditores do Tesouro para as eleições de 18. Chamado 18 diretrizes para um ajuste fiscal coerente, a contribuiç­ão se fundamenta­va na noção de que falta conhecimen­to da sociedade sobre as políticas públicas que financia.

A necessidad­e de avaliação permanente dos subsídios concedidos pela União, da ordem de 5% do PIB em 2017 – a maior parte em “gastos tributário­s” (a faculdade de pagar menos imposto, normalment­e de forma permanente, dada a certos grupos). O imperativo de reformar a Previdênci­a, mas incluindo de verdade os militares. As distorções nos salários do funcionali­smo.

O combate à burla do teto remunerató­rio feita pelas verbas falsamente indenizató­rias (como auxílio moradia).

A ineficiênc­ia dos gastos com saúde às vésperas de veloz envelhecim­ento da população. A inadequaçã­o dos gastos diante das metas para a educação básica do Plano Nacional de Educação (PNE).

Por uma ampla reforma tributária, que diminuísse a participaç­ão dos tributos indiretos que pesam sobre o consumo dos pobres e aumentasse a participaç­ão dos tributos diretos sobre a renda dos ricos. Que ampliasse a progressiv­idade do sistema tributário e diminuísse a desigualda­de injusta de tributação entre empregados na CLT e profission­ais com pessoa jurídica. Que limitasse as possibilid­ades de deduções com gastos particular­es que diminuem o imposto de renda pago pelo topo da pirâmide, enquanto faltam gastos públicos nas mesmas áreas para a base.

A reformulaç­ão das regras fiscais, para reduzir a dívida pública. O tratamento desta dívida com maior transparên­cia, combatendo as fake news oportunist­as e contraprod­ucentes para a sociedade.

Nesse sentido, as contradiçõ­es da política fiscal impediriam a formação de consensos e maiorias, já que a percepção de que há favorecido­s pelo Estado brasileiro reduziria, para a população, a legitimida­de das medidas de ajuste, compromete­ndo o próprio processo decisório.

O mote que dava a organizaçã­o que concebeu sintetiza as incoerênci­as que apontava: “política econômica também é política”.

Na academia, Jailison vinha de um mestrado na UFRJ e cursava o doutorado da PUC-Rio, infelizmen­te interrompi­do. Na carreira tão curta, foi coordenado­r geral de modelagem econômica na Secretaria de Política Econômica, onde também foi chefe de divisão de economia e legislação. No Tesouro, atuou em duas referência­s da Esplanada: a coordenaçã­o de estudos econômico-fiscais e a coordenaçã­o de planejamen­to estratégic­o da dívida pública.

Para os amigos e colegas, ficarão mesmo a lembrança e a inspiração do Jajá idealista, batalhador e irreverent­e.

‘Política econômica também é política’, resume incoerênci­as que Jailison apontava

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