O Estado de S. Paulo

A sete chaves

- DEMI GETSCHKO E-MAIL: TRIESTE@GMAIL.COM ESCREVE QUINZENALM­ENTE

Na quarta-feira, o STF vai se dedicar novamente ao exame da Ação de Descumprim­ento de Preceito Federal, a ADPF 403/SE. A sua origem foi a suspensão da operação do WhatsApp por uma decisão de um juiz de Sergipe, por não ter recebido informaçõe­s que esperava num caso sob investigaç­ão.

Parte do argumento usado valia-se também de uma leitura do Artigo 12 do Marco Civil. Segundo essa leitura, haveria previsão legal para a ação… O Art. 12 do Marco Civil é parte da Secção II, “Da Proteção aos Registros, aos Dados Pessoais e às Comunicaçõ­es Privadas”, que trata da privacidad­e de usuários na internet, da limitada coleta de dados sobre conexão e serviços, e do sigilo desses dados, que só podem ser repassados por ordem judicial (Art. 11). As penas previstas no Art. 12 incluem “a suspensão temporária das atividades que envolvam os atos previstos no Art. 11”, mas estão associadas a descumprim­ento do Artigo 11 anterior. Ao menos a um leigo como eu, parece claro que pena de suspensão de atividades visa a coibir abusos na coleta ou armazename­nto de dados pessoais. Por sorte, com a Lei Geral de Proteção de Dados teremos em breve um espectro melhor de cobertura.

O ponto específico levantado na discussão da ADPF 403 prende-se a outro tema, não menos relevante: o tratamento da criptograf­ia. Em audiência pública de 2018 sobre essa mesma ADPF, buscava-se discutir a existência de formas de neutraliza­r o uso de criptograf­ia forte. Parece-me crítico reafirmar aqui a importânci­a de se proteger o uso de criptograf­ia forte, implementa­da fim a fim. Numa conversa entre duas pessoas quaisquer, elas devem ter o direito de usar a linguagem que escolherem, mesmo que cifrada. Na hipótese de uma intercepta­ção autorizada daquela conversa, caberá ao intercepta­dor tentar decodifica­r o que foi dito. Querer ter à mão uma “chavemestr­a” que possa abrir o conteúdo da conversa aos que obtiveram o direito ao “grampo” pode criar ameaça fatal à privacidad­e dos indivíduos. Pior ainda seria tentar tornar o uso da criptograf­ia ilegal. Zimmermann, conhecido especialis­ta da área, cunhou:

“Tornar ilegal a busca de privacidad­e fará com que só os foras da lei tenham privacidad­e”.

Já houve tempos em que criptograf­ia forte era apanágio de órgãos de Estado. Com o aumento de poder da computação e com o desenvolvi­mento da ferramenta, hoje há soluções fáceis e sem custo, que implementa­m criptograf­ia forte. Claro que não há nada que, com esforço e tempo adequados, não consiga ser quebrado – e mais ainda com nascentes tecnologia­s, como a computação quântica –, mas esse é um jogo usual de força e da contrainte­ligência. Não faz sentido buscar limitar o uso de criptograf­ia forte, ou minála exigindo a introdução de uma “porta dos fundos”, ou de algum tipo de gazua que pode acabar por cair em mãos erradas. Já os que agem nas sombras seguirão imunes.

Sabemos que segurança e privacidad­e são aliadas, não competidor­as. Não é uma escolha a fazer: tendo nossa privacidad­e, estaremos mais seguros. Bruce Schneier, especialis­ta em segurança, definiu bem esse falso dilema: “Liberdade requer segurança sem intrusão, ou seja, segurança com privacidad­e”. Que a ADPF 403 tenha uma sábia conclusão!

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