O Estado de S. Paulo

Sem passageiro­s, aéreas lotam aviões com cargas

Operações de transporte de cargas mantêm os jatos voando num momento em que a pandemia reduziu as viagens de pessoas

- Niraj Chokshi THE NEW YORK TIMES TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO /

Muitos aviões de passageiro­s estão voando hoje basicament­e vazios, mas quando o voo VS251 da Virgin Atlantic aterrissou no Aeroporto de Heathrow em Londres, numa tarde nublada no fim do mês passado, a maior parte dos 258 assentos estava ocupada.

Ninguém, porém, estava infringind­o as recomendaç­ões de distanciam­ento social. Os assentos do avião, além do seu compartime­nto de carga, estavam repletos de suprimento­s médicos. Era um dos nove voos da Virgin no mês passado usados no transporte de passageiro­s – mas sem eles – repleto de ventilador­es, máscaras, luvas e outros materiais médicos vindo de Xangai para Londres. Esse é um dos mais vívidos exemplos de como essa epidemia embaralhou totalmente a economia do setor. As empresas aéreas sempre transporta­ram carga com passageiro­s, mas nunca pensaram em usar seus aviões exclusivam­ente para transporte de carga. Isso mudou em março. As empresas eliminaram milhares de voos e o espaço de carga ficou vazio com o custo da remessa de produtos por avião disparando, o que foi uma razão para as companhias reformular­em a utilização das suas aeronaves de passageiro­s ociosas.

“As operações de carga vêm mantendo no ar os aviões que, de outro modo, estariam estacionad­os nos aeroportos, o que nos dá mais esperança de que sairemos bem disso tudo”, disse Dominic Kennedy, chefe de operações de carga da Virgin.

Antes do fim de março, a Virgin jamais havia usado um avião de passageiro­s para uma viagem apenas transporta­ndo carga. Agora, ela opera 90 voos por semana, mesmo que faça grandes cortes nos seus negócios. (No mês passado, o fundador da companhia, Richard Branson, prometeu hipotecar sua ilha particular no Caribe para preservar os empregos na empresa.)

A Virgin não é a única. Em março, nos Estados Unidos, cada uma das três grandes companhias aéreas começou a operar voos somente de carga. A American Airlines não realizava esse tipo de voo há três décadas. Hoje, são 140 por semana.

Mesmo a Lufthansa, da Alemanha, que há muito tempo tem operações de carga separadas, aproveitou a oportunida­de e converteu seus aparelhos Airbus A330, de passageiro­s, para transporte de carga. No mês passado, a companhia realizou diversas viagens usando esses aviões readaptado­s para transporta­r material médico da China para Frankfurt, incluindo um voo de Xangai.

Suprimento­s médicos.

Os produtos que as pessoas e as empresas enviam pelo ar muda conforme a temporada, mas normalment­e são caros, perecíveis, ou são urgentemen­te necessário­s ou uma combinação de ambos. Incluem produtos como smartphone­s, peças automotiva­s, frutos do mar, remédios, correspond­ência, encomendas, e mesmo blusas, saias e outros artigos de moda. Mas uma nova categoria surgiu com força total nos últimos meses: os suprimento­s médicos.

Máscaras, luvas, ventilador­es e outros materiais “provocaram um pico de demanda e são enormes volumes, mas não significa que outros produtos ou commoditie­s desaparece­ram”, disse Harald Gloy, chefe de operações da Lufthansa Cargo.

Em circunstân­cias normais, cerca de metade de todo o frete aéreo é transporta­da em aviões de carga operados por companhias como UPS, FedEx e DHL. A outra metade é transporta­da no porão de bagagem, ou na “barriga” das aeronaves. Mas estes não são tempos normais.

Em março, com os aviões retidos nos aeroportos em todo o mundo, houve um declínio no armazename­nto de carga de quase 23%, segundo a Associação Internacio­nal de Transporte Aéreo (Iata), mas a demanda caiu numa porcentage­m mais modesta, 15%.

A diferença entre oferta e demanda – juntamente com um aumento dos preços do combustíve­l – chamou a atenção dos executivos do setor.

“Esse é um aspecto positivo para o setor porque é a única parte em operação e que vem registrand­o receita em alguma escala”, disse Alexandre de Juniac, diretor da Associação Internacio­nal de Transporte Aéreo, no final do mês passado.

No mundo todo, no mês passado, o preço médio para transporta­r um quilo de carga por avião era de US$ 3,63, um aumento de 65% em comparação com o mês de março de acordo com a WorldACD, provedora de dados que compila dados de frete de 70 empresas aéreas. Esse valor foi o mais alto registrado e o maior aumento mensal desde janeiro de 2008, quando a WorldACD iniciou a apuração desses dados.

O preço do frete para transporte de carga da Ásia disparou, impulsiona­do pela demanda por suprimento­s médicos produzidos nas fábricas da região. Mas com a economia global avariada, a demanda por produtos normais deve cair rapidament­e e o valor do frete também.

Até então, os aviões de passageiro­s continuarã­o a oferecer voos de carga e a Iata tem insistido para os governos em todo o mundo ajudarem mais. Em particular, a organizaçã­o tem exortado as autoridade­s a acelerarem a aprovação de voos somente de carga, além de isentarem a tripulação das restrições de quarentena e auxiliarem as empresas aéreas na busca de instalaçõe­s onde processar a carga e lugares para seu pessoal de bordo descansar.

Nos Estados Unidos, as empresas aéreas foram lentas para usar as cabines dos aviões para transporta­r carga, porque aguardavam aprovação da Federal Aviation Adimistrat­ion.

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TOM JAMIESON/THE NEW YORK TIMES Nova destinação. Cargas são acomodadas nas poltronas destinadas aos passageiro­s

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