O Estado de S. Paulo

Dólar alto corrói lucro de empresas no 1º trimestre

Moeda americana registrou valorizaçã­o frente ao real de 29% nos primeiros três meses do ano e foi a maior responsáve­l pelo aumento nas despesas financeira­s das companhias; estudo analisou 183 empresas com ações na B3 que publicaram balanços até ontem

- Renato Jakitas

Estudo com 183 empresas com ações negociadas na Bolsa de Valores, a B3, mostra que a disparada do dólar influiu negativame­nte no resultado das operações. Mesmo com um caixa reforçado em R$ 110 bilhões, o endividame­nto cresceu e o lucro líquido caiu quase 70%.

Os sinais de melhora da economia doméstica no começo do ano atenuaram os impactos dos primeiros 15 dias da crise do novo coronavíru­s nos balanços das companhias brasileira­s de capital aberto, no primeiro trimestre de 2020. No entanto, a disparada do dólar, que ganhou força a partir do fim do carnaval, foi suficiente para azedar o resultado das operações. Mesmo com um caixa reforçado em R$ 110 bilhões, na comparação com o mesmo período em 2019, as companhias amargaram uma queda de quase 70% em seu lucro líquido.

Os dados fazem parte de um estudo realizado pela Economátic­a, obtido com exclusivid­ade pelo Estadão. Foram analisadas 183 empresas com ações negociadas na B3 e que publicaram seus resultados financeiro­s até às 18h de ontem. O estudo, no entanto, exclui da lista a Petrobrás, JBS, Suzano e Azul, que, segundo o gerente de relacionam­ento institucio­nal da Economátic­a, Einar Rivero, obtiveram prejuízo atipicamen­te alto e, por isso, prejudicar­iam a análise econômica do período.

Feita a ressalva, a atual temporada de balanços mostra que as empresas brasileira­s melhoraram significat­ivamente sua geração de caixa – dinheiro mantido à disposição para as receitas de curto prazo. O caixa das companhias fechou o trimestre em R$ 329,8 bilhões, ante R$ 220 bilhões no mesmo período de 2019, alta de 49,4%. O lucro operaciona­l (antes de despesas com amortizaçã­o de juros de empréstimo­s e impostos) saltou 30% no período. E isso só foi possível, segundo Rivero, por causa da melhora registrada com as vendas dos produtos e serviços, que alcançaram o montante de R$ 336,8 bilhões, alta de 8,8%. “Os resultados mostram que, em certa medida, as empresas fizeram sua lição de casa da porteira para dentro.

Mas quando encostaram a barriga no balcão dos bancos e dos credores, viram as despesas aumentarem muito”, afirma.

Dólar. A maior responsáve­l por essa explosão nas dívidas, que dizimou R$ 39 bilhões em lucro operaciona­l, foi a escalada do dólar. Do primeiro pregão de janeiro ao último de março, o dólar comercial à vista sofreu uma valorizaçã­o frente o real de 29%, saindo da cotação inicial de R$ 4,02 para R$ 5,19. Foi a terceira maior valorizaçã­o trimestral do dólar desde a adoção por parte do Banco Central do câmbio flutuante, em 1999, só perdendo para o terceiro trimestre de 2002 e o primeiro trimestre de 1999.

Dados produzidos pela Fipe, indicam que as grandes empresas brasileira­s – com o capital aberto e fechado – têm 58% de sua dívida total fixada em moedas estrangeir­as. De acordo com o BC, a dívida total em dólar das empresas no Brasil está em US$ 482 bilhões. “Do ponto de vista do que passou, podemos dizer que o dólar afetou fortemente nos balanços das empresas brasileira­s. Olhando para o futuro, para o segundo trimestre, é difícil imaginar um novo tombo nesse patamar”, afirma o coordenado­r do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), Carlos Antonio Rocca. “Mas isso não deve ser tomado com algo tão positivo. A redução drástica do consumo durante a crise vai trazer para as empresas um outro desafio, que será na receita com venda, que deve cair tremendame­nte nos balanços do segundo trimestre”, afirma.

Resultados. Por setores, as empresas financeira­s, de papel e celulose e energia tiveram seus balanços mais afetados pelo aumento das despesas financeira­s. A Klabin, por exemplo, registrou no primeiro trimestre um aumento de 8% com as receitas com vendas, na comparação com igual período do ano anterior, mas viu suas despesas com dívidas saltarem de R$ 597 milhões para R$ 6 bilhões em 12 meses. Com isso, amargou um prejuízo líquido de R$ 3,2 bilhões.

O diretor financeiro e de relações com investidor­es da Klabin, Marcos Ivo, explica, contudo, que esse é um prejuízo meramente contábil, um resultado que incomoda no balanço, mas não diretament­e no bolso da empresa. “Nossa dívida é alta em dólar, cerca de 89% do total, mas é de longo prazo, em média, 9,4 anos, e mais de 50% de nossa receita também é dólar. Com isso, temos um hedge natural”, afirma. Hedge é o nome que se dá aos instrument­os de proteção à variação de câmbio adotados pelas companhias. “Nossa relação é bem equilibrad­a, no final das contas, somos credores em dólar”, diz.

Outra que viu saltar sua despesa financeira foi a Rumo, empresa de logística ferroviári­a controlada pela Cosan. Esse indicador passou de R$ 324 milhões em 2019 para R$ 531 milhões em 2020, fator que ajuda a explicar o prejuízo de R$ 272 milhões no período, ante lucro líquido de R$ 26 milhões no primeiro trimestre de 2019. Para o diretor financeiro da empresa, Ricardo Lewin, além de questões pontuais, como um volume de maior de chuva em março, que prejudicou a operação para empresa no Porto de Santos, a empresa também modificou a forma de mensurar os gastos com proteção cambial. “Isso trouxe um resultado negativo no trimestre, mas que não deve se registrar no próximo balanço”, afirma o executivo.

“Lição de casa foi feita, em certa medida, da porteira para dentro.”

Einar Rivero, gerente de relacionam­ento institucio­nal da Economátic­a

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FELIX LEAL- AEN Câmbio. Klabin registrou prejuízo de R$ 3,2 bilhões no 1.º trimestre, em função do aumento com despesas financeira­s
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HÉLVIO ROMERO/ESTADÃO - 6/7/2016
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