O Estado de S. Paulo

DE VOLTA À FONTANA DI TREVI E À BUSCA PELO TIRAMISÚ PERFEITO

Nas andanças por Roma, a beleza de pontos (e pratos) clássicos pode surpreende­r viajantes; país ensaia reabertura a turistas europeus

- Mônica Nóbrega ESPECIAL PARA O ESTADO

No exato momento em que você lê este texto, um habitante de Roma contempla a Fontana di Trevi vazia ou quase. As dez semanas de confinamen­to total levaram ao declínio consistent­e da curva de contaminaç­ões e mortes por covid-19, e a Itália começou sua lenta reabertura. Moradores já podem sair às ruas, mas os turistas – apenas os da própria Europa – só serão autorizado­s a voltar a partir de amanhã, se nada mudar.

Situações novas trazem vocabulári­o novo. Temos agora o lockdown que, a partir deste 2020, resume os muitos significad­os deste momento de exceção que vivemos por causa da pandemia. Lockdown significa se trancar em casa, entre incertezas sobre o futuro, sem poder ver nem abraçar pessoas queridas, e se escondendo de uma ameaça ao mesmo tempo invisível e mortífera.

Foi assim com o tsunami, lembra? O da Indonésia, em 2004, foi o maior tremor já registrado por um sismógrafo. Fez ondas de até 30 metros de altura avançarem sobre 14 países e matarem 230 mil pessoas. Impôs uma nova palavra ao nosso repertório; não tinha como chamar aquilo de maremoto, que é como se dizia antes.

Pois a Itália foi o primeiro país no mundo a determinar lockdown para toda a sua população, em 9 de março. Logo apareceram as fotos dos pontos turísticos desertos – a do Papa Francisco abençoando uma Praça de São Pedro completame­nte vazia foi uma das mais impactante­s.

Apesar de já ter ido a diferentes lugares na Itália – Milão, Verona, Veneza, Gênova, Nápoles, boa parte da Sicília – Roma, por variados motivos, sempre foi deixada para depois. Ano passado, no frio de janeiro, foi a minha primeira vez na capital.

No fim de um dia gelado e azul, depois de uma caminhada pela margem do Rio Tibre e de admirar longamente o Coliseu iluminado, encontrei a Fontana di Trevi cercada pela multidão de sempre. Eu não esperava nada diferente disso. Mas também não esperava me sentir tomada por tamanho encantamen­to. Sabe

como é: sou uma viajante experiente demais, descolada demais para me deslumbrar por um ponto turístico tão batido. O plano era passar rapidinho pela fonte, tirar uma foto e seguir para algum outro lugar mais, digamos, autêntico. Risos.

Deixa eu contar uma coisa para quem ainda não foi. A Fontana di Trevi é muito maior do que parece em todas as fotos que você já viu. A composição formada pela estátua de Netuno, no centro, mais a fachada do Palazzo Poli, onde a fonte está encostada, tem uma dimensão monumental. Não cabe no enquadrame­nto da máquina fotográfic­a. A perfeição das esculturas de mármore, a iluminação, o barulho da água, alto mesmo com todo o falatório em volta, tudo isso me emocionou. O ritual de jogar moedas e fazer pedidos é uma tolice, sim. Mas é bonito de ver ao vivo, como uma expressão de esperança. E rende à cidade 1 milhão de euros por ano, destinados à caridade.

Cinema. O cinema dá uma dimensão mais apurada da magnitude da Fontana di Trevi. O clássico número 1 entre os filmes italianos, La Dolce Vita

(1960), tem uma cena ainda mais clássica que o próprio longa que mostra os personagen­s de Anita Ekberg e Marcello Mastroiann­i entrando em suas águas.

Pois veio também do cinema – argentino – a inspiração para outra experiênci­a marcante na minha visita a Roma.

Tiramisú foi uma palavra nova para mim quando assisti ao longa O Filho da Noiva (2001). Rafael Belvedere, o protagonis­ta vivido pelo ator Ricardo Darín, visita a mãe, uma idosa que tem a doença de Alzheimer, levando o doce que é o preferido dela. O personagem e seu pai conversam longamente sobre mascarpone, o queijo base da receita do tiramisú.

De lá para cá, nunca mais parei de procurar um tiramisú à altura da beleza desta cena. Achei que pudesse tê-lo encontrado na capital da Itália quando passei diante da minúscula doceria Two Sizes, que tinha, na porta, uma placa discreta anunciando “o melhor tiramisú de Roma”.

Entrei e escolhi o sabor tradiciona­l, de mascarpone e café.

As armadilhas pega-turista se escondem sob os mais variados disfarces, mas a doceria Two Sizes não era uma delas. Achei a sobremesa gostosa, sem ser imperdível. Provavelme­nte o problema não é o doce, sou eu, que acumulei expectativ­as demais. Ainda assim, o tal do melhor tiramisú de Roma serviu para me provocar um desejo de retorno, exatamente como o Rafael Belvedere de Ricardo Darín dá o doce à sua mãe desmemoria­da desejando, intimament­e, o retorno dela a outros tempos.

Quando será possível ir?

O RITUAL DE JOGAR MOEDAS E FAZER PEDIDOS É UMA TOLICE, MAS AJUDA A CARIDADE

O TAL DO ‘MELHOR TIRAMISÚ’ DE ROMA SERVIU PARA PROVOCAR UM DESEJO DE RETORNO

A Itália faz parte do espaço Schengen, grupo formado pelos 27 países da União Europeia, mais Suíça, Liechtenst­ein, Islândia e Noruega, que tem entre seus princípios a livre circulação entre as fronteiras. Os europeus poderão voltar amanhã a ser recebidos na Itália. A partir de 15 de junho, e a depender da evolução da pandemia no continente, líderes da UE devem começar a propor estratégia­s para a reabertura gradual das fronteiras externas.

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MÔNICA NOBREGA Cartões-postais. Castelo de Sant’Ângelo, Ponte Vittorio Emanuele e o Rio Tibre: agora, só para moradores admirarem
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CAITLIN OCHS/NYT Tiramisú. Bom, sem ser inesquecív­el
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Imponente. Fontana é maior do que parece

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