O Estado de S. Paulo

Pessimismo paralisant­e da sociedade civil se rompeu

- Marco Aurélio Nogueira É PROFESSOR TITULAR DE TEORIA POLÍTICA DA UNESP

As ruas não são mais território exclusivo dos apoiadores do presidente. As manifestaç­ões do último domingo, puxadas por torcidas organizada­s de futebol, a começar da Gaviões da Fiel, inaugurara­m uma nova fase na vida política nacional. Representa­m a ampliação da resistênci­a ao bolsonaris­mo e do isolamento do presidente, que se vê cada vez mais enfurnado em Brasília.

As manifestaç­ões não tiveram densidade de massa. O isolamento social impediu. A batalha é desigual, porque os negacionis­tas não conhecem barreiras sanitárias e contam com o apoio simbólico do governo, recursos logísticos e mensagens do gabinete do ódio.

Paralelame­nte, passaram a circular manifestos endossados por centenas de milhares de cidadãos, intelectua­is e artistas. Diferentes setores da sociedade civil somam sua voz à dos ministros do STF, os grandes jornais estampam diariament­e sua indignação, surgem movimentos inéditos de aproximaçã­o entre partidos até há pouco separados por divergênci­as complicada­s. Tudo mostra que o diálogo e a reunião dos democratas parecem ter encontrado um desaguadou­ro promissor.

O quadro ainda é impreciso. Não há nele uma via de mão única. O bolsonaris­mo continua vivo. Bem ou mal, ocupa o poder federal, onde acamparam segmentos das Forças Armadas que lhe têm fornecido respaldo e batem continênci­a para o capitão. O governo tem buscado erguer no Congresso Nacional uma base de sustentaçã­o, preocupado com sua sobrevivên­cia. O apetite guloso do Centrão, com seus próceres desprovido­s de maior dignidade ou respeito constituci­onal, alimenta o governo mas também o impede de funcionar.

Há muito combustíve­l para a expansão do protesto cívico e o reagrupame­nto dos democratas.

Começou a se romper o pessimismo paralisant­e em que a sociedade civil se encontrava. O cerco ao autoritari­smo avança. Não é um trabalho simples. Ele requer combativid­ade e paciência, metas claras e apoios, ligação entre a defesa da vida, a recuperaçã­o da economia e o reforço da democracia.

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