O Estado de S. Paulo

Bolsonaris­tas usam símbolos internacio­nais da ultra-direita

Bandeira ucraniana usada na manifestaç­ão de domingo preocupa especialis­tas e motivou nota de embaixada

- Tulio Kruse

O uso de um símbolo ucraniano milenar em manifestaç­ão próBolsona­ro em São Paulo, no último domingo, chamou atenção para as referência­s que influencia­m os grupos que dão apoio ao governo. A bandeira motivou um esclarecim­ento do embaixador da Ucrânia no Brasil, uma nota de repúdio de descendent­es de ucranianos no País, e preocupaçã­o entre especialis­tas que acompanham a “tropicaliz­ação” de símbolos associados à extrema direita no mundo – das tochas e máscaras em frente ao Supremo Tribunal Federal às Cruzadas da Idade Média.

Vermelha e negra, a bandeira ucraniana que causou a confusão na Avenida Paulista tem um tridente estilizado em branco. É um símbolo nacional adotado oficialmen­te na Ucrânia desde a independên­cia, em 1991, quando se separou da União Soviética. Integrante­s de torcidas organizada­s antifascis­tas acusaram o símbolo como referência neonazista, o que foi rechaçado pelo dono da bandeira.

Brasileiro radicado na Ucrânia há seis anos, o técnico em segurança Alex Silva lembra que o tridente era o símbolo do príncipe Vladimir, que levou o cristianis­mo à Ucrânia no século 10. Ele conta que o avô de sua esposa, que é ucraniano, teve o irmão morto por nazistas na Segunda Guerra Mundial. “Aquilo não tem nada a ver com símbolo nazista”, disse Silva ao Estadão. “É uma ofensa enorme, você não tem ideia de como isso me ofende pessoalmen­te e ofende a honra da minha esposa.” Ele chama atenção para o significad­o das cores: o preto é uma referência à terra, e “o vermelho representa o sangue dos heróis ucranianos que foi derramado por gerações, por séculos”.

O tridente e as cores são usados também pelo grupo paramilita­r Pravyi Sektor (Setor Direito), de extrema direita, que se tornou partido político após a queda do presidente ucraniano Viktor Yanukovich. As cenas de batalha campal em Kiev, que levaram à queda do presidente, têm inspirado bolsonaris­tas no Brasil. No Twitter, o deputado federal Daniel Silveira (PSLRJ) escreveu que “está na hora de ucranizar o Brasil”, bordão que já era repetido pela ativista bolsonaris­ta Sara Winter.

“Isso significa ucranizar o Brasil: jogar o político sujo na lata de lixo, como fez o povo ucraniano, de uma maneira honrosa”, diz Silva. A imagem remete à foto de um deputado ucraniano, que defendia Yanukovich e sua política pró-Rússia, atirado no lixo em uma manifestaç­ão em 2014.

Descendent­es de ucranianos em Curitiba, onde há a maior comunidade no País, divulgaram uma nota de repúdio contra o uso da bandeira. “Temos ciência da existência absolutame­nte minoritári­a de movimentos extremista­s na Ucrânia, que se apropriara­m indevidame­nte dos símbolos nacionais para disseminar ideais fascistas e neonazista­s”, diz a nota do Grupo Folclórico Ucraniano Poltava.

Para especialis­tas, o uso das cores é considerad­o preocupant­e, mais do que sua origem no século 10. “A bandeira não é nazista mas, como se diz, é uma apropriaçã­o simbólica”, diz o professor David Magalhães, da Pontifícia Universida­de Católica (PUC-SP), que dá aulas de Relações Internacio­nais e coordena o Observatór­io da Extrema Direita, que reúne pesquisado­res de outras universida­des. “Essa relação do sangue e a terra é muito forte no movimento ultranacio­nalista. Isso não apaga nada do fato”, diz. O professor chama atenção para uma inconsistê­ncia no discurso anticorrup­ção no Brasil, associado ao deputado na lata de lixo. “Bolsonaro está se aproximand­o da faceta mais podre do sistema, que é o Centrão. Eles realmente ignoram essa faceta.”

Já o pesquisado­r Gustavo Menezes, especialis­ta em relações internacio­nais na região da exURSS, diz que muitos símbolos associados à extrema direita foram apropriado­s pelo novo governo da Ucrânia.

“Há uma espécie de tentativa oficial de apresentar o movimento como positivo, é por isso que vão tentar normalizar o uso daquelas cores”, diz. “Certamente é algo que torna a Ucrânia atraente para os bolsonaris­tas, porque parte dessas políticas oficiais são exatamente uma tentativa de colocar o nazismo e o comunismo como males de igual teor.”

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ALICE VERGUEIRO/ESTADÃO-31/5/2020 Paulista. Bandeira ucraniana foi usada em manifestaç­ão

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