Após críticas, senadores adiam votação de projeto sobre fake news
Proposta foi alterada por relator na véspera da análise pelo plenário; entidades e empresas pediram mais prazo
O Senado adiou ontem a votação de um polêmico projeto de lei para combater as chamadas “fake news”, em meio a um bombardeio de críticas de especialistas e entidades defensoras de direitos de usuários de internet. Grupos bolsonaristas também se articularam no ataque à proposta.
O projeto que estava na pauta de ontem para votação é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), e seu teor havia sido negociado com algumas organizações da sociedade civil. Pela manhã, porém, o relator da proposta, Angelo Coronel (PSD-BA), apresentou uma nova versão, com modificações em quase todos os pontos importantes.
A partir daí, a Coalizão Direitos na Rede, que reúne entidades, pesquisadores e ativistas, passou a pressionar pelo adiamento da votação, por considerar que havia risco de “violação de direitos fundamentais dos cidadãos”. Uma nota da coalizão afirmou que a proposta de Coronel afirmou trazia restrições às liberdades individuais e dava margem a censura.
A nota ganhou o respaldo de agências de fact-checking e de entidades que defendem liberdade de expressão e direitos de usuários das redes, além das principais empresas internacionais do setor de internet: Google, Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp. Pouco depois, o adiamento da votação foi anunciado pelo próprio autor do projeto e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Pablo Ortellado, professor da USP e pesquisador do tema da desinformação, resumiu em uma postagem no Facebook as principais restrições dos especialistas ao relatório de
Coronel: “Obriga RG, CPF, comprovante de endereço e foto para ter conta em rede social; proíbe plataformas de moderar conteúdo; dá acesso de dados cadastrais à polícia, sem ordem judicial, e cria sistema de pontos, meio chinês, meio Black Mirror” – referência a uma série de televisão que mostra um futuro transformado de forma distópica pela tecnologia.
O destino da proposta original de Alessandro Vieira é incerto. O senador estava trabalhando de forma articulada com os deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-PSB), mas ontem eles anunciaram a apresentação de um novo projeto na Câmara, focado “exclusivamente em transparência e combate a robôs não identificados”.
“Nosso projeto não trata mais sobre checagem de fake news e desinformação”, anunciou Tabata, no Twitter. “Eliminamos os pontos para os quais não há consenso e vamos manter ações que possam diminuir, de imediato, o mal que as fake news causam.”
Conceito. O fim da ênfase no tema “fake news” decorre, entre outros pontos, da dificuldade de conceituar esse problema no projeto de lei. Não há consenso sobre a melhor forma de definir notícias fraudulentas, nem mesmo entre especialistas. Agências de fact-checking participaram de articulação para suprimir este e outros pontos da proposta a ser votada.
Uma das versões do projeto de Alessandro Vieira definia desinformação como “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”.
Esse trecho acabou suprimido pelo próprio autor. Uma nova versão encarregava o CGI (Comitê Gestor da Internet) de, no prazo de 12 meses, debater uma definição com organizações da sociedade civil, para então apresentar uma nova proposta legislativa sobre o tema. Na proposta mais recente de Tabata e Rigoni, na Câmara, o CGI não fica com essa atribuição.