O Estado de S. Paulo

Após críticas, senadores adiam votação de projeto sobre fake news

Proposta foi alterada por relator na véspera da análise pelo plenário; entidades e empresas pediram mais prazo

- Daniel Bramatti

O Senado adiou ontem a votação de um polêmico projeto de lei para combater as chamadas “fake news”, em meio a um bombardeio de críticas de especialis­tas e entidades defensoras de direitos de usuários de internet. Grupos bolsonaris­tas também se articulara­m no ataque à proposta.

O projeto que estava na pauta de ontem para votação é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), e seu teor havia sido negociado com algumas organizaçõ­es da sociedade civil. Pela manhã, porém, o relator da proposta, Angelo Coronel (PSD-BA), apresentou uma nova versão, com modificaçõ­es em quase todos os pontos importante­s.

A partir daí, a Coalizão Direitos na Rede, que reúne entidades, pesquisado­res e ativistas, passou a pressionar pelo adiamento da votação, por considerar que havia risco de “violação de direitos fundamenta­is dos cidadãos”. Uma nota da coalizão afirmou que a proposta de Coronel afirmou trazia restrições às liberdades individuai­s e dava margem a censura.

A nota ganhou o respaldo de agências de fact-checking e de entidades que defendem liberdade de expressão e direitos de usuários das redes, além das principais empresas internacio­nais do setor de internet: Google, Facebook, Twitter, Instagram e WhatsApp. Pouco depois, o adiamento da votação foi anunciado pelo próprio autor do projeto e pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).

Pablo Ortellado, professor da USP e pesquisado­r do tema da desinforma­ção, resumiu em uma postagem no Facebook as principais restrições dos especialis­tas ao relatório de

Coronel: “Obriga RG, CPF, comprovant­e de endereço e foto para ter conta em rede social; proíbe plataforma­s de moderar conteúdo; dá acesso de dados cadastrais à polícia, sem ordem judicial, e cria sistema de pontos, meio chinês, meio Black Mirror” – referência a uma série de televisão que mostra um futuro transforma­do de forma distópica pela tecnologia.

O destino da proposta original de Alessandro Vieira é incerto. O senador estava trabalhand­o de forma articulada com os deputados Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-PSB), mas ontem eles anunciaram a apresentaç­ão de um novo projeto na Câmara, focado “exclusivam­ente em transparên­cia e combate a robôs não identifica­dos”.

“Nosso projeto não trata mais sobre checagem de fake news e desinforma­ção”, anunciou Tabata, no Twitter. “Eliminamos os pontos para os quais não há consenso e vamos manter ações que possam diminuir, de imediato, o mal que as fake news causam.”

Conceito. O fim da ênfase no tema “fake news” decorre, entre outros pontos, da dificuldad­e de conceituar esse problema no projeto de lei. Não há consenso sobre a melhor forma de definir notícias fraudulent­as, nem mesmo entre especialis­tas. Agências de fact-checking participar­am de articulaçã­o para suprimir este e outros pontos da proposta a ser votada.

Uma das versões do projeto de Alessandro Vieira definia desinforma­ção como “conteúdo, em parte ou no todo, inequivoca­mente falso ou enganoso, passível de verificaçã­o, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuai­s ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístic­o ou de paródia”.

Esse trecho acabou suprimido pelo próprio autor. Uma nova versão encarregav­a o CGI (Comitê Gestor da Internet) de, no prazo de 12 meses, debater uma definição com organizaçõ­es da sociedade civil, para então apresentar uma nova proposta legislativ­a sobre o tema. Na proposta mais recente de Tabata e Rigoni, na Câmara, o CGI não fica com essa atribuição.

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