O Estado de S. Paulo

Dívidapúbl­ica em risco?

- FÁBIO ALVES E-MAIL: FABIO.ALVES@ESTADAO.COM TWITTER: @COLUNAFABI­OALVE FÁBIO ALVES ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS COLUNISTA DO BROADCAST

Com as propostas de tornar permanente­s gastos extras para combater o impacto da pandemia do coronavíru­s – como a extensão do pagamento do benefício emergencia­l de R$ 600 – e com a perspectiv­a de uma queda mais profunda do PIB neste ano, um assunto se tornou recorrente entre analistas e investidor­es nas últimas duas semanas: o financiame­nto da dívida pública brasileira.

O temor é de que, com o crescente risco de explosão da trajetória da dívida pública e a menor perspectiv­a de aprovação de reformas estruturai­s necessária­s, como a administra­tiva e a tributária, o Tesouro Nacional tenha dificuldad­es para conseguir rolar a sua dívida em meio a uma crise de confiança de investidor­es e num ambiente de taxas de juros em níveis historicam­ente baixos para remunerar os riscos adiante. Sem falar na escalada da crise política, que pode tornar mais difícil a recuperaçã­o da economia e também a adoção de um ajuste fiscal urgente a partir de 2021.

O Brasil, como outros países do mundo, está sendo forçado a ter uma expansão fiscal inédita para lidar com a pandemia. Muitos analistas estimam que o déficit primário do governo deva ultrapassa­r R$ 700 bilhões em 2020, o que, combinado com o pagamento de juros da dívida pública, resultaria num déficit nominal (ou necessidad­e total de financiame­nto do setor público) para além de 14%. Há projeções de que a dívida bruta passará de 75,8% do PIB ao fim de 2019 para mais de 100% do PIB neste ano.

Já o déficit nominal ficou em R$ 249 bilhões em 2019. Para 2020, a Instituiçã­o Fiscal Independen­te (IFI)estima um déficit primário de R$ 711,4 bilhões, com as necessidad­es de financiame­nto totais do governo superando R$ 1 trilhão. Mas o diretor executivo da IFI, Felipe Salto, alerta que a sua projeção de PIB deve ser revisada novamente para baixo, o que, combinada com a expectativ­a de novas despesas – com premissa sobre pagamentos adicionais do benefício emergencia­l –, deve resultar em déficit primário e, portanto, em necessidad­es de financiame­nto totais bem maiores.

Assim, vai aumentar muito o volume de dívida que o Tesouro terá de emitir para financiar esses gastos. Mas haverá demanda suficiente dos investidor­es para absorver tamanho aumento de emissão de títulos públicos? Nos últimos meses, tem ocorrido uma diversific­ação na alocação de recursos por parte dos investidor­es, com uma migração da renda fixa para a Bolsa e para ativos no exterior. A pergunta recorrente no mercado é: será que o Tesouro vai conseguir rolar a sua dívida com os juros em níveis tão baixos? Já estamos à beira do abismo?

De fato, tem havido um encurtamen­to no prazo médio da dívida pública pelo Tesouro, um termômetro de estresse. A parcela da dívida pública a vencer em 12 meses passou de 18,68% em dezembro de 2019 para 21,54% em abril deste ano. Espera-se também uma piora no perfil da dívida, com aumento da parcela atrelada à taxa Selic, o que dificulta sua gestão.

A situação poderá piorar se os investidor­es duvidarem da disposição do governo, passada a necessidad­e de aprovar despesas extras para combater a pandemia, em voltar aos trilhos da política fiscal em 2021, fazendo ajustes e mantendo intacto o teto de gastos, uma âncora da confiança no mercado.

Ou se o governo resolver aumentar muito mais a fatura com gastos extras neste ano e tornando permanente parte deles. Ou ainda se as autoridade­s federais, estaduais e municipais fracassare­m em controlar a disseminaç­ão do coronavíru­s, exigindo a extensão de quarentena­s ou a adoção de lockdown, o que afetará ainda mais a economia, reduzindo a arrecadaçã­o de tributos.

Por enquanto, o que tem sustentado a demanda por títulos públicos, permitindo a rolagem da dívida, é que a inflação brasileira está muito baixa, com a projeção de analistas apontando para 1,55% em 2020 e 3,10% em 2021. O problema é que, se a expectativ­a de inflação começar a subir rapidament­e por um medo de uma bomba fiscal mais adiante, a remuneraçã­o (juros) terá de aumentar muito. E, mesmo assim, a demanda por títulos públicos poderá não estar garantida.

Um sinal inequívoco do governo e do Congresso de que haverá ajuste fiscal a partir de 2021 é a única saída para dissipar os temores com a rolagem da dívida pública.

País está sendo forçado a ter uma expansão fiscal inédita para lidar com a pandemia

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