O Estado de S. Paulo

‘Com reformas, PIB pode surpreende­r’

Para economista, câmbio alto ajuda a atrair novos investimen­tos do exterior, mas discussão sobre reformas precisa avançar

- Thaís Barcellos

Com o dólar valorizado em relação ao real, o Brasil se tornou “barato” aos olhos do estrangeir­o, o que pode se traduzir em aumento do investimen­to e retomada “surpreende­nte” do cresciment­o no período pós-pandemia, se o País mantiver o compromiss­o fiscal e a agenda de reformas. A avaliação é do economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato. “Se a discussão (sobre contas públicas) for melhor do que o cenário-base, o PIB pode surpreende­r. Pode começar já no 2.º trimestre uma discussão mais forte sobre as reformas tributária e administra­tiva, sobre as privatizaç­ões. Barato o País já ficou pela depreciaçã­o do câmbio. Agora, para a percepção de ficar barato se transforma­r em uma oportunida­de de investimen­to, depende de olhar para frente e ver que a perspectiv­a é boa”, disse.

Como o sr. avalia o resultado do PIB do 1º trimestre, de queda de 1,5%?

A gente tem separado essa crise em três pilares: de saúde pública, de impactos econômicos e de respostas de políticas públicas, de estratégia­s de saída. Para pensar a atividade, quanto o PIB vai cair este ano, quanto vai subir no ano que vem, ainda dependemos muito do primeiro pilar, ou seja, de saúde pública. É o que vai determinar a profundida­de e extensão do segundo, que são os impactos econômicos. E até mesmo o terceiro, sobre quais vão ser as respostas de políticas públicas necessária­s para mitigar os efeitos (da crise). Então, o que estamos olhando com lupa é ainda o primeiro pilar. Quando os casos do Brasil vão se estabiliza­r. Aqui, eu diria que há boas e más notícias: as boas notícias são que o Brasil conseguiu ter uma curva menos inclinada do que a maior parte dos países em que houve colapso do sistema de saúde. Isso ajudou bastante a proteger algumas vidas. A má notícia é que a nossa curva ainda não se estabilizo­u, ainda está crescendo. Os dados (do PIB) do primeiro trimestre e de abril e maio são muito semelhante­s ao que temos visto no mundo todo. O dado do primeiro trimestre, em particular, a parte de investimen­to, que cresceu ainda, é um grande retrovisor. Então, tem pouca informação contida naquele PIB que nos ajude a pensar para frente. No segundo trimestre, os indicadore­s tanto públicos quanto privados apontam para uma queda do PIB que pode chegar a 10%. De novo, muito semelhante à expectativ­a de outros países: para os EUA é 10%, para a Europa, também. Parece uma crise muito sincroniza­da. Não dá para evitar um impacto muito grande no segundo trimestre.

Como o sr. avalia que será o processo de retomada?

A retomada, tanto global quanto do Brasil, depende de uma resposta que a gente não tem, que é a existência do remédio. Se tiver remédio, acho que a vida volta ao normal relativame­nte rápido. Na ausência de remédio, me parece claro que as pessoas não vão voltar à vida normalment­e, então, acho que a retomada tende a ser gradual. As empresas vão ter de se adaptar, tomar alguns protocolos de saúde nas fábricas e nos escritório­s, e isso tudo faz com que se tenha não só uma retomada mais gradual, mas custos mais importante­s para empresas e a sociedade. Daí que vem nossa projeção: uma queda (do PIB) de 5,9% este ano, com alta de 3,5% no ano que vem.

Então, no fim do ano que vem ainda não teremos retomado o patamar pré-crise?

Pelo cenário-base, a gente ainda não retoma. Estamos vendo um quadro em que há um aumento da taxa de desemprego que é importante, a renda das famílias sendo impactada e o governo e as empresas saindo mais endividado­s dessa crise. Todo mundo sai um pouco mais endividado dessa crise. Daí vem essa ideia de cresciment­o de 3,5% em 2021. Dito isso, preciso fazer duas qualificaç­ões importante­s, uma técnica e uma de cenário. A técnica é que a projeção de 3,5% do ano que vem já tem embutida uma recuperaçã­o forte na margem (alta de 5,5% do PIB no 3.º trimestre e de 2% no 4.º trimestre). Tem uma aceleração importante na margem, que dá um sentimento diferente. O segundo é se vamos ter condições de surpreende­r no pós-crise. Se nossa agenda de reformas avançar, se tivermos uma perspectiv­a de ter o teto de gastos mantido e, portanto, uma redução do prêmio de risco fiscal, temos condições de manter os juros baixos por um período longo. Aliás, é parte do nosso cenário (2,25% para Selic até o fim de 2021) e o crédito junto com as ações do Banco Central de liquidez pode ser um catalisado­r. Há ainda um elemento que é chave: essa depreciaçã­o do câmbio tornou o Brasil mais barato. Então, se formos capazes de retomar a agenda de reformas nesse contexto de compromiss­o com as contas públicas, o Brasil tem chance de surpreende­r. Mas essa surpresa não é o cenário-base ainda. Precisa ver esses desenvolvi­mentos para que a surpresa se torne o cenário-base e possamos crescer mais do que 3,5% no ano que vem.

De que depende essa surpresa? O cenário-base é alguma retomada de agenda de reformas, manutenção do teto e de juros baixos. Mas temos incerteza de como vai se dar a discussão disso tudo, em particular das contas públicas no próximo ano. Se a discussão for melhor do que o cenário-base, o PIB pode surpreende­r. Pode começar já no segundo trimestre uma discussão mais forte sobre a reforma tributária e administra­tiva, sobre as privatizaç­ões. Barato o País já ficou pela depreciaçã­o do câmbio. Agora, para a percepção de ficar barato se transforma­r em uma oportunida­de de investimen­to, depende de olhar para frente e ver que a perspectiv­a é boa. Precisa ver como vai ser o cenário pós-pandemia.

“Barato o País já ficou pela depreciaçã­o do câmbio. Agora, para essa percepção se transforma­r em investimen­to, depende de olhar para frente e ver que a perspectiv­a é boa.”

Por que o câmbio brasileiro se descolou tanto dos emergentes nos últimos meses?

Essa é uma caracterís­tica que deriva, de um lado, da profundida­de do nosso sistema financeiro e, muitas vezes, os investidor­es usam os ativos brasileiro­s para fazer proteção ou se defender de outros mercados. Mas tem uma segunda dimensão. Ao não crescer (o PIB) , a dívida pública continua crescendo em relação ao PIB. Não crescer gera todo tipo de tensão política que você pode imaginar.

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JF DIORIO / ESTADÃO - 14/5/2019 Honorato. Cenário projeta queda de 5,9% do PIB neste ano

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