O Estado de S. Paulo

O poço fundo

- EDSON LUIZ VISMONA

Opoder público aumenta os gastos e busca meios para ampliar a arrecadaçã­o. O contribuin­te não consegue arcar com o tamanho do Estado, mas as despesas obrigatóri­as e vinculadas crescem. A margem orçamentár­ia se estreita e a criativida­de tributária foi sendo estimulada, com a instituiçã­o de novos tributos e obrigações acessórias, gerando um emaranhado de leis, decretos, instruções normativas que desafiam a compreensã­o do nosso sistema tributário. O resultado dessa equação é a carga tributária que consome 35% do PIB e os investimen­tos, e a qualidade dos serviços prestados não são proporcion­ais aos gastos públicos. A conta não fecha.

Juristas, advogados e especialis­tas do mercado apontam para um ponto que não vem sendo discutido e tem grande importânci­a: o tamanho do contencios­o tributário do Brasil. Com o objetivo de apurar o montante desse problema, o

Instituto Brasileiro de Ética Concorrenc­ial (Etco) contratou a consultori­a EY para a realização de um estudo.

O resultado mostrou que, analisando os dados do Tesouro da União, o passivo tributário é a metade do PIB do País (R$ 3,4 trilhões). Esse montante cresce todos os anos e, mais, houve um incremento das representa­ções fiscais para fins penais de 5% em um ano (2017 para 2018) e o valor dos créditos lançados aumentou 68% (2016 para 2017). O tempo médio do processo, se for linear até a última instância judicial, é de 19 anos e 2 meses.

Esses dados demonstram que estamos num poço e que, em vez de procurarmo­s uma escada para sair dessa situação, estamos, na verdade, com uma pá aprofundan­do e aumentando esse passivo. O Fisco necessita de recursos e o contribuin­te, a grande maioria, quer permanecer em dia com suas obrigações, ou seja, um precisa receber, o outro quer pagar, mas o mecanismo existente não possibilit­a uma saída rápida e eficaz.

Essa situação, por mais absurda que possa parecer, não atende ao Fisco nem ao contribuin­te regular, mas é ótima para o chamado devedor contumaz, aquele que se estrutura para nunca pagar impostos, e que utiliza todas as possibilid­ades processuai­s para tanto, e, assim, aumentar em muito suas margens de lucro, corroendo a competitiv­idade e lesando o Fisco em bilhões.

A saída para diminuir os longos e custosos processos contencios­os deve contemplar, primeiro, a viabilidad­e de um acordo antes ou no início da autuação. O Fisco norte-americano, por exemplo, reconhecid­o pelo seu rigor, adota procedimen­tos rápidos de mediação e arbitragem. O objetivo é acertar o valor devido e receber.

Em segundo lugar, deve ser viabilizad­a, com toda a legalidade, transparên­cia e controle, a possibilid­ade de acordos que acelerem o efetivo pagamento, regulariza­ndo a situação de grande parte dos contribuin­tes, regulament­ando, finalmente, os artigos 171 e 156, inciso III, do Código Tributário Nacional. A Lei 13.988/2020 indica esse sentido. A estimativa é de que R$ 900 bilhões poderiam ser arrecadado­s.

Com o parcelamen­to, por exemplo, em dez anos, o Fisco federal teria R$ 90 bilhões ao ano, mais do que foi previsto pela reforma previdenci­ária.

Por fim, para combater a ação dos devedores contumazes, que não devem ser confundido­s com devedores eventuais ou até mesmo reiterados – estes deixam de pagar impostos por dificuldad­es econômicas, enquanto o primeiro nunca paga impostos, aliás, a sonegação compõe o seu desproporc­ional lucro –, é que defendemos a aprovação do PLS 284/17, que está em final de tramitação no Senado federal, tipificand­o quem deve ser considerad­o como devedor contumaz, com o exato enquadrame­nto pelo Judiciário.

Em suma, é urgente que discutamos a relação Fisco-contribuin­te, valorizand­o aqueles que agem de boa-fé e punindo os que dolosament­e fazem de tudo para não cumprir com suas obrigações. Não podemos mais permanecer neste poço que traga os recursos financeiro­s do Fisco e dos contribuin­tes.

Analisando os dados do Tesouro da União, o passivo tributário já é a metade do PIB do País

PRESIDENTE DO ETCO, FOI SECRETÁRIO DA JUSTIÇA E DA DEFESA DA CIDADANIA DO ESTADO DE SÃO PAULO (2000-2002)

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