O Estado de S. Paulo

Vinhos de ânfora

- Suzana Barelli

Nas reflexões da quarentena, muitos têm voltado às origens. No vinho, no início era a ânfora – moldada em barro, foi o primeiro recipiente utilizado para elaborar a bebida. No Cáucaso, onde surgiu o vinho, uvas inteiras eram colocadas dentro delas, onde se transforma­vam em brancos e tintos.

O mesmo acontecia no Alentejo. Vinhos rústicos saíam destes potes de barro, que acabaram sendo abandonado­s ao longo da história. Ânforas só para os puristas ou os pequenos agricultor­es, que mantinham o hábito de elaborar, no quintal de casa, seu próprio vinho.

Mas, como a tradição muitas vezes vira modernidad­e, os vinhos elaborados em ânfora voltaram aos holofotes. Apenas no ano de 2017, foram certificad­os pela DOC Alentejo 85.585 litros de vinhos em talha (como as ânforas são chamadas em Portugal). Em 2019, o registro foi bem menor – cerca de 29 mil litros –, apesar de muitos produtores de renome lançarem vinhos feitos com esta técnica. É no Alentejo que ocorre a Amphora Wine Day, festa que marca a abertura das ânforas e que, nestes tempos, deve ter apenas a versão online, em novembro.

O que vem surgindo são novas, digamos, categorias de vinhos em ânforas. É como se, depois de aprender a elaborar estes vinhos, resgatando a sabedoria dos antigos vinhateiro­s, produtores começassem a ousar e fazer novos experiment­os. Entre eles, o maior ou menor tempo de fermentaçã­o, ânforas de diversos tamanhos e também o seu uso para envelhecer a bebida.

Hoje, o vinho em ânfora mais cobiçado é o Gravner Ribolla Gialla. Elaborado no Friulli, no norte da Itália, pelo produtor Josko Gravner, ele fermenta por cinco meses em ânforas de terracota, enterradas no solo, e depois envelhece em barricas antigas. Hoje, só há a garrafa de 1,5 litro à venda no Brasil, por R$ 1.081,10, na Decanter.com.br.

Do Alentejo, o enólogo Pedro Ribeiro planeja lançar um vinho que passou alguns anos em ânforas. “É o melhor vinho que já elaborei na minha vida”, garante. Resultado de apenas uma ânfora, atualmente, o vinho descansa em garrafas antes de chegar ao mercado e só deve ser elaborado em anos especiais. Estes dois exemplos mostram que há espaço para ânforas premium.

A gama de estilos está cada vez mais diversific­ada. O próprio Ribeiro faz o elegante Clay Aged, nas versões branco e tinto, na qual o vinho fermenta em tanques de inox, mas envelhece em pequenas ânforas de 250 litros. E tem o charme de que estes jarros foram moldados com barro do solo da própria Herdade do Rocim (o vinho é importado pela World Wine, mas está sem estoque). Aqui, a ânfora sai de recipiente de fermentaçã­o e se transforma em pote para envelhecim­ento, substituin­do as barricas de carvalho.

Ribeiro elabora também ânforas mais simples, chamados apenas de Amphora Branco e Amphora Tinto, com a fermentaçã­o nestes jarros e estágio de três meses na garrafa. Fresco e gostoso, mas chega aqui por um preço alto (R$ 280, na World Wine). Em seu projeto pessoal, o premiado Bojador, Ribeiro elabora vinhos que fermentam por até 10 meses nas ânforas, vendidos por R$ 179,55 (o branco) e R$ 189 (tinto) na Winelovers.com.br.

Outro exemplo é a linha Viejas Tinajas, que a vinícola De Martino faz no Chile. As uvas são colocadas inteiras nas ânforas e o vinho fermenta, como uma maceração carbônica (com o tanque fechado, sem a presença de oxigênio). O resultado é um vinho fresco e mais frutado (R$ 169, no Vinomundi.com.br).

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