Vinhos de ânfora
Nas reflexões da quarentena, muitos têm voltado às origens. No vinho, no início era a ânfora – moldada em barro, foi o primeiro recipiente utilizado para elaborar a bebida. No Cáucaso, onde surgiu o vinho, uvas inteiras eram colocadas dentro delas, onde se transformavam em brancos e tintos.
O mesmo acontecia no Alentejo. Vinhos rústicos saíam destes potes de barro, que acabaram sendo abandonados ao longo da história. Ânforas só para os puristas ou os pequenos agricultores, que mantinham o hábito de elaborar, no quintal de casa, seu próprio vinho.
Mas, como a tradição muitas vezes vira modernidade, os vinhos elaborados em ânfora voltaram aos holofotes. Apenas no ano de 2017, foram certificados pela DOC Alentejo 85.585 litros de vinhos em talha (como as ânforas são chamadas em Portugal). Em 2019, o registro foi bem menor – cerca de 29 mil litros –, apesar de muitos produtores de renome lançarem vinhos feitos com esta técnica. É no Alentejo que ocorre a Amphora Wine Day, festa que marca a abertura das ânforas e que, nestes tempos, deve ter apenas a versão online, em novembro.
O que vem surgindo são novas, digamos, categorias de vinhos em ânforas. É como se, depois de aprender a elaborar estes vinhos, resgatando a sabedoria dos antigos vinhateiros, produtores começassem a ousar e fazer novos experimentos. Entre eles, o maior ou menor tempo de fermentação, ânforas de diversos tamanhos e também o seu uso para envelhecer a bebida.
Hoje, o vinho em ânfora mais cobiçado é o Gravner Ribolla Gialla. Elaborado no Friulli, no norte da Itália, pelo produtor Josko Gravner, ele fermenta por cinco meses em ânforas de terracota, enterradas no solo, e depois envelhece em barricas antigas. Hoje, só há a garrafa de 1,5 litro à venda no Brasil, por R$ 1.081,10, na Decanter.com.br.
Do Alentejo, o enólogo Pedro Ribeiro planeja lançar um vinho que passou alguns anos em ânforas. “É o melhor vinho que já elaborei na minha vida”, garante. Resultado de apenas uma ânfora, atualmente, o vinho descansa em garrafas antes de chegar ao mercado e só deve ser elaborado em anos especiais. Estes dois exemplos mostram que há espaço para ânforas premium.
A gama de estilos está cada vez mais diversificada. O próprio Ribeiro faz o elegante Clay Aged, nas versões branco e tinto, na qual o vinho fermenta em tanques de inox, mas envelhece em pequenas ânforas de 250 litros. E tem o charme de que estes jarros foram moldados com barro do solo da própria Herdade do Rocim (o vinho é importado pela World Wine, mas está sem estoque). Aqui, a ânfora sai de recipiente de fermentação e se transforma em pote para envelhecimento, substituindo as barricas de carvalho.
Ribeiro elabora também ânforas mais simples, chamados apenas de Amphora Branco e Amphora Tinto, com a fermentação nestes jarros e estágio de três meses na garrafa. Fresco e gostoso, mas chega aqui por um preço alto (R$ 280, na World Wine). Em seu projeto pessoal, o premiado Bojador, Ribeiro elabora vinhos que fermentam por até 10 meses nas ânforas, vendidos por R$ 179,55 (o branco) e R$ 189 (tinto) na Winelovers.com.br.
Outro exemplo é a linha Viejas Tinajas, que a vinícola De Martino faz no Chile. As uvas são colocadas inteiras nas ânforas e o vinho fermenta, como uma maceração carbônica (com o tanque fechado, sem a presença de oxigênio). O resultado é um vinho fresco e mais frutado (R$ 169, no Vinomundi.com.br).