O Estado de S. Paulo

‘Pai’ da LRF defende atrelar meta para dívida a teto flexível.

Para José Roberto Afonso, agora é a hora de se criar trava para o endividame­nto, ainda que possa ser suspensa em períodos de crise

- Idiana Tomazelli / BRASÍLIA

O aumento dramático nos gastos públicos para combater efeitos da crise provocada pela pandemia do novo coronavíru­s acendeu o debate entre economista­s sobre como o Brasil vai sinalizar a investidor­es um compromiss­o crível com a reorganiza­ção das contas públicas. Um dos pais da Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF), o economista José Roberto Afonso defende que o País adote uma meta de dívida pública, associada a um limite mais flexível para as despesas.

O atual teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação, deve enfrentar uma pressão cada vez maior e pode estourar já no ano que vem sem a aprovação de reformas que ataquem o gasto público.

Enquanto isso, parlamenta­res do Centrão, bloco que se aliou a Jair Bolsonaro para dar sustentaçã­o ao governo, e até integrante­s da ala política do governo defendem mais despesas públicas para impulsiona­r a retomada da economia pós-pandemia. Há também pressão para que o governo crie uma renda básica para a população vulnerável com base no auxílio emergencia­l de R$ 600 criado temporaria­mente para o período da crise, política que poderia ter custo bilionário.

A equipe econômica tem defendido fervorosam­ente a manutenção do limite nos moldes atuais e vê na regra uma “superâncor­a” para sair da crise com a confiança dos investidor­es de que o País seguirá fazendo o ajuste fiscal. A avaliação no governo é que qualquer alteração no teto pode se transforma­r em custo adicional para o País se financiar no mercado, com reversão da trajetória de queda nos juros da dívida.

Endividame­nto. Essa manutenção é vista como ainda mais crucial agora em que o Brasil precisou elevar brutalment­e seu endividame­nto para reagir à pandemia. A previsão oficial é que a dívida bruta termine o ano em 93,5% do PIB, mas economista­s já veem níveis até maiores, próximos de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), um patamar considerad­o elevado para países emergentes como o Brasil.

Afonso, porém, vê na crise uma oportunida­de para criar a trava para a dívida, ainda que sua aplicação fique suspensa em períodos de calamidade e recessão. “É importante dar um norte para os investidor­es que estão correndo para dívida pública na hora da tormenta, mas, quando esta se dissipar, precisam do conforto de que a mesma será paga”, afirma o economista, professor do Instituto Brasiliens­e de Direito Público (IDP).

Regulament­ação. A LRF prevê os limites da dívida mobiliária (contraída via emissão de títulos públicos) e da dívida consolidad­a (que inclui os títulos e outros débitos, como empréstimo­s contratuai­s e precatório­s judiciais), mas os dispositiv­os nunca foram regulament­ados. Para Afonso, a hora de fazer isso é agora, no meio da crise, com possibilid­ade de prever uma longa trajetória de ajuste e associar a nova âncora a um “renovado teto”, mais flexível que o atual.

A meta de dívida poderia ser trianual, com atualizaçõ­es periódicas, como já é feito com a meta de resultado primário (obtida pela diferença entre arrecadaçã­o e gastos) na Lei de Diretrizes Orçamentár­ias (LDO). “A ideia de uma meta rígida de gastos ou de dívida é irreal porque, infelizmen­te, a economia insiste em se mover em ciclos. Pior: às vezes, como agora, afunda sem parar”, Afonso.

No longo prazo, o governo continuari­a com o compromiss­o de adotar medidas que resultem na convergênc­ia da dívida para a meta fixada, mas no curto prazo teria maior flexibilid­ade para agir em momentos de necessidad­e como o atual.

A equipe econômica, contrária a mudanças, argumenta que o teto já tem válvulas de escape para episódios de crise, como os créditos extraordin­ários, que abrem caminho a despesas emergencia­is sem necessidad­e de respeitar o limite de gastos.

“É importante dar um norte para os investidor­es que estão correndo para dívida pública na hora da tormenta.”

José Roberto Afonso PROFESSOR DO INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PÚBLICO

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