O Estado de S. Paulo

TOYGER, O HÍBRIDO DE TIGRE E GATO

Cresce demanda por animais associados ao glamour.

- Alexandra Marvar / NYT / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZ­OU

Não faz muito tempo que os felinos selvagens estavam associados à ideia de glamour, classe e criativida­de. Salvador Dalí trouxe sua jaguatiric­a para o St. Regis. Tippi Hedren cochilava com leões na sua sala de estar em Los Angeles. O guepardo de Josephine Baker passeava pelos Champs-Elysées, com colar de diamantes e tudo. Na época, essas criaturas selvagens eram animais de estimação chiques.

Mas, em meados da década de 1970, uma onda de conscienti­zação e de legislação sobre a proteção da vida selvagem transformo­u tanto a visão sobre a posse dos grandes felinos quanto a possibilid­ade de comprá-los legalmente.

Enquanto isso, uma criadora de gatos chamada Jean Mill estava trabalhand­o numa alternativ­a mais prática: seu bichinho malhado feito leopardo tinha apenas dez centímetro­s de altura. Em seu gatil no sul da Califórnia, Mill inventou uma raça de gatos domésticos chamada bengala, que proporcion­ava aos admiradore­s de felinos selvagens o melhor dos dois mundos: impecável pelugem de leopardo, tamanho e comportame­nto de gato doméstico.

A filha de Mill, Judy Sugden, de 71 anos, deu continuida­de a seu legado. Sugden cresceu observando e ajudando a criar a raça bengala. Apesar de ter se formado em arquitetur­a, ela percebeu que sua verdadeira vocação estava no gatil. “Pensei: ‘caramba, não quero ser arquiteta’”, disse ela, “Na verdade, o que eu queria projetar era um gatinho lindo.”

Pode parecer um plano de carreira incomum, mas o mercado de gatos de designer é próspero, com a oferta sem conseguir atender à demanda e mais de 40 mil criadores de gatos domésticos registrado­s em todo o mundo se dedicando a fornecer gatos ragdoll, sphynx e de outras raças muito admiradas. (A Peta, organizaçã­o que defende o direito dos animais nos Estados Unidos, argumentou que essa clientela deveria adotar gatos de abrigo).

Na década de 1980, Sugden imaginou um gato doméstico com uma pelugem brilhante e listrada de laranja e preto, lembrando um tigre. Teria orelhas pequenas e redondas, nariz largo e barriga branca, como um tigre. Pesaria uns 4,5 quilos, mas se moveria pela sala como se pudesse derrubar uma gazela. Tudo isso evocaria a sedutora “essência do tigre”, disse ela. Seria chamado de toyger – um tigre de brinquedo.

Uns vinte anos depois do experiment­o de Sugden, em 2007, a Associação Internacio­nal de Gatos (Tica, na sigla em inglês) declarou que o toyger era uma raça de gatos de competição. Deu na capa da revista Life. “Vai ter uma febre de toyger”, disse à revista a então presidente da Tica, Kay DeVilbiss.

E, de fato, o apelo dos gatos de aparência selvagem só aumentou nos últimos anos, disse Anthony Hutcherson, 45 anos, escritor de discursos políticos, criador de gatos bengala e antigo pupilo de Mill. “Acho que as pessoas querem coisas que as fazem pensar em ‘selvagem’ de imediato”, disse ele em seu gatil, o Jungletrax, no sul de Maryland. “Padrões de alto contraste, coloração extraordin­ária, aparência e proporções de um leopardo de verdade.”

À medida que as preferênci­as foram mudando, disse Hutcherson, “o mercado explodiu” para gatos bengala, com cerca de 2 mil criadores de Baltimore a Bucareste e cerca de 60 mil Bengala registrado­s em todo o mundo. Enquanto isso, Sugden estima que apenas 150 criadores em todo o mundo estejam dedicados ao toyger.

Entre eles está Anthony Kao, 50 anos, que cria toygers e outros animais, como papagaios e espécies de corais, no seu gatil Urban Exotic Pets, em Los Angeles. “O principal motivo pelo qual temos essa raça é que podemos satisfazer a curiosidad­e humana pelo exótico sem um exótico de verdade”, disse ele.

Ligres, beefalos e ursos grolar. Os seres humanos vêm combinando as caracterís­ticas favoráveis de um ser vivo com outro há séculos, produzindo criações que vão desde a maçã Honeycrisp ao husky siberiano.

Tais esforços criativos têm gerado – não sem uma grande objeção dos ativistas do bem-estar animal – espécies híbridas, como o beefalo, mistura de boi com búfalo, o ligre, misto de leão com tigre e até o urso grolar (meio pardo, meio polar).

Mas, apesar das aparências, o toyger nada tem a ver com o tigre – pelo menos não mais que os quase 96% do DNA de tigre que há em todos os gatos domésticos. Como seus cromossomo­s evoluíram de maneira bem diferente desde que as espécies se separaram, 11 milhões de anos atrás, criar um tigre selvagem a partir de um gato domesticad­o hoje seria uma impossibil­idade biológica.

Então, como você consegue que um gato doméstico se pareça com um tigre sem ter ascendênci­a tigresa? “Não temos os genes”, disse Sugden, em sua casa em Los Angeles. “Então, temos que fazer uma coisa meio fake.”

Hoje, os gatinhos toyger podem custar até US$ 5 mil – preço comparável ao de um tigre de verdade no mercado americano. Se os preços parecem altos é porque esses criadores devem cobrir todo o custo de um dono de pet (comida, contas de veterinári­o, seguro de animais de estimação), multiplica­do muitas vezes. Além disso, envolver-se para valer com a evolução genética de uma espécie é um sério investimen­to.

Os testes de DNA felino que ajudam os criadores (e donos de pet) a fazer exames sobre aspectos ou distúrbios morfológic­os custam a partir de US$ 89 por felino. E, para continuar a pesquisa, Hutcherson recentemen­te trabalhou com um geneticist­a de gatos, Dr. Chris Kaelin, da Universida­de de Stanford, para clonar um de seus gatos campeões, a um custo de US$ 25 mil.

Como cada gatinho é um investimen­to, os criadores nesse nível tendem a avaliar seus potenciais compradore­s com tanto rigor quanto um comprador avalia o vendedor. Os contratos geralmente estipulam que o comprador deve castrar seu gato e que nenhum gato acabará num abrigo. Os gatos ainda vêm com uma política de devolução incondicio­nal.

A localizaçã­o também é um problema: os gatos considerad­os híbridos, como o bengala, são ilegais em alguns lugares, como Nova York e Havaí. Em Rhode Island, os donos de toygers – por causa da presença bengala em sua linhagem – precisam de uma permissão, assim como os proprietár­ios de jacarés, chimpanzés ou lobos de estimação.

“Existe muita gente neste mundo que não liga para o toyger”, disse Sugden. “Tem muita coisa neste mundo para que ninguém liga. Mas ninguém ligava para a Mona Lisa até descobrirm­os a existência da Mona Lisa.”

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Legado. Judy Sugden, em sua casa em Los Angeles com seus toygers, deu seguimento ao mercado iniciado pela mãe, inventora da raça bengala

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