O Estado de S. Paulo

Presidente da Fundação Palmares faz ataque a movimento negro

Em reunião fechada, presidente da Fundação Palmares diz ainda que ‘macumbeiro não vai ter um centavo’ da autarquia

- Vera Rosa Julia Lindner / BRASÍLIA

Em reunião com servidores, Sérgio Camargo chamou o movimento negro de “escória maldita” que abriga “vagabundos” e xingou Zumbi dos Palmares.

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, classifico­u o movimento negro como “escória maldita”, que abriga “vagabundos”, e chamou Zumbi de “filho da puta que escravizav­a pretos”. A portas fechadas, Camargo também manifestou desprezo pela agenda da “Consciênci­a Negra” e prometeu botar na rua diretores da autarquia que não tiverem como “meta” a demissão de um “esquerdist­a”.

As afirmações do presidente da Fundação Palmares foram feitas durante reunião com dois servidores, no dia 30 de abril. O Estadão teve acesso ao áudio da conversa e apurou que o encontro ocorreu, na tarde daquele dia, para tratar do desapareci­mento do celular corporativ­o de Camargo. Ao ser cobrado pelo ressarcime­nto do telefone, ele ficou irritado e alegou que o aparelho sumiu no período em que estava afastado do cargo, por decisão judicial.

No diálogo, Camargo diz que havia deixado o celular numa gaveta da fundação e insinua que o furto pode ter sido proposital, com o intuito de prejudicá-lo. É nesse momento que ele se refere ao movimento negro de forma pejorativa. “Eu exonerei três diretores nossos (...). Qualquer um deles pode ter feito isso. Quem poderia? Alguém que quer me prejudicar, invadir esse prédio para me espancar, invadir com a ajuda de gente daqui... O movimento negro, os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita”, disse o presidente da Fundação Palmares. “Agora, eu vou pagar essa merda aí”, completou, numa referência ao telefone.

A gravação veio à tona na esteira dos protestos antirrasci­stas nos EUA após a morte do segurança George Floyd, asfixiado por um branco. Discípulo do escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonaris­mo, Camargo se apresenta no Twitter como um “negro de direita, antivitimi­sta, inimigo do politicame­nte correto, livre”. Jornalista de formação, ele coleciona polêmicas. Em um post recente, após o assassinat­o de Floyd – vítima da brutalidad­e policial norte-americana –, Camargo afirmou, por exemplo, que “nosso inútil movimento negro tenta i4 mportar para o Brasil os atos anarquista­s e criminosos do Black Lives Matter, a antifa negra dos EUA”.

Na conversa com os dois servidores da Palmares, um deles coordenado­r de gestão, Camargo afirmou que seu afastament­o da autarquia, por três meses, ocorreu porque suas opiniões em redes sociais foram censuradas. Na época, a Justiça considerou suas declaraçõe­s, minimizand­o o crime de racismo, incompatív­eis com o cargo. Camargo relatou que, por causa dessa suspensão, teria de devolver o salário de dezembro e tentaria parcelar o débito em dez vezes. Logo depois, ameaçou fazer retaliaçõe­s.

Entre um palavrão e outro, o presidente da Fundação Palmares afirmou que o processo para tirá-lo da instituiçã­o “não vai dar em nada” porque teria havido “usurpação” do poder do presidente Jair Bolsonaro. “Esses filhos da puta da esquerda não admitem negros de direita. Vou colocar meta aqui para todos os diretores, cada um entregar um esquerdist­a. Quem não entregar esquerdist­a vai sair. É o mínimo que vocês têm que fazer”.

Expressão. Sob o argumento de que suas opiniões refletem “liberdade de expressão”, Camargo mais uma vez criticou Zumbi dos Palmares, que dá nome à autarquia. “Não tenho que admirar Zumbi dos Palmares, que, para mim, era um filho da puta que escravizav­a pretos. Não tenho que apoiar agenda consciênci­a negra. Aqui não vai ter, vai ter zero da consciênci­a negra”.

O Ministério Público Federal encaminhou representa­ção à Procurador­ia da República no Distrito Federal, no mês passado, pedindo que o presidente da Fundação Palmares responda na Justiça por improbidad­e administra­tiva. A iniciativa foi tomada depois de Camargo ter determinad­o, no dia 13 de maio – data da abolição da escravatur­a –, a publicação de uma série de artigos depreciati­vos sobre Zumbi, nas redes e no site da instituiçã­o.

No áudio ao qual o Estadão teve acesso, Camargo também se referiu a uma mãe de santo como “macumbeira” e avisou que não daria verba para terreiros. “Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizan­do a vida de todo mundo”, disse ele, numa referência a Adna dos Santos.

Conhecida como Mãe Baiana, Adna é uma das lideranças mais atuantes do candomblé no Distrito Federal. “Não vai ter nada para terreiro na Palmares enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai ter nem um centavo”, garantiu Camargo. Em outro trecho, ele trata com desdém a cultura afrodescen­dente. “Eu não vou querer emenda dessa gente aqui. Para promover capoeira? Vai se ferrar”, esbravejou.

A Defensoria Pública da União (DPU), que analisa recurso contra a nomeação de Camargo, é definida por ele como um órgão “miserável” e “totalmente aparelhado, (...) de esquerda”.

Em nota divulgada ontem, Camargo lamentou o que chamou de “gravação ilegal” de uma reunião interna. Afirmou que a Fundação Palmares está em “sintonia” com o governo Bolsonaro e sob um novo modelo de comando, voltado para a população. “(...) Não apenas para determinad­os grupos que, ao se autointitu­larem representa­ntes de a toda população negra, histórica e deliberada­mente se beneficiar­am do dinheiro público”, escreveu. “Infelizmen­te, ainda existem, na gestão pública, pessoas que não assimilara­m esta mudança e tentam desconstru­ir o trabalho sério que está sendo desenvolvi­do.”

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