O Estado de S. Paulo

Constituiç­ão veta intervençã­o, diz procurador-geral

Depois de afirmar que ‘um poder que invade competênci­a de outro não deve merecer proteção’, procurador-geral atenua fala em nota

- Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA / COLABOROU TANIA MONTEIRO

Após sugerir que as Forças Armadas podem atuar para garantir a independên­cia entre os Poderes, o procurador-geral Augusto Aras afirmou ontem em nota que a Constituiç­ão “não permite intervençã­o militar”.

O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse ontem que, no seu entendimen­to, as Forças Armadas podem ser usadas em ações pontuais, como garantir a lei e a ordem num eventual cenário de ruptura institucio­nal. O presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores têm citado o artigo 142 da Constituiç­ão, de forma distorcida, segundo especialis­tas ouvidos pelo Estadão, para justificar uma intervençã­o militar para resolver a crise do governo com o Supremo Tribunal Federal (STF). Para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), no entanto, o artigo não permite isso.

As declaraçõe­s de Aras foram dadas ao programa Conversa

com Bial, da TV Globo, ontem de madrugada. Mais tarde, ele divulgou nota em que afirma que as instituiçõ­es estão “funcionand­o normalment­e” e que a Constituiç­ão brasileira “não permite intervençã­o militar”.

“A Constituiç­ão não admite intervençã­o militar. Ademais, as instituiçõ­es funcionam normalment­e. Os poderes são harmônicos e independen­tes entre si. Cada um deles há de praticar a autoconten­ção para que não se venha a contribuir para uma crise institucio­nal. Conflitos entre Poderes constituíd­os, associados a uma calamidade pública e a outros fatores sociais concomitan­tes, podem culminar em desordem social”, escreveu Aras. “As Forças Armadas existem para a defesa da pátria, para a garantia dos poderes constituci­onais e, por iniciativa de quaisquer destes, para a garantia da lei e da ordem, a fim de preservar o regime da democracia participat­iva brasileira.”

O procurador-geral se manifestou após ser cobrado a dar explicaçõe­s sobre declaraçõe­s feitas no programa de TV. Ao apresentad­or, Aras afirmou: “Um poder que invade a competênci­a de outro poder, em tese, não deve merecer a proteção desse, garante da Constituiç­ão. Porque se os poderes constituíd­os se manifestar­em dentro das suas competênci­as, sem invadir as competênci­as dos demais poderes, nós não precisamos enfrentar uma crise que exija dos garantes uma ação efetiva de qualquer natureza.” Indagado se o Brasil está próximo desse cenário, Aras respondeu: “Não será o procurador-geral o catalisado­r de uma crise institucio­nal dessa natureza”.

Repercussã­o. A posição de Aras gerou críticas dentro e fora do Ministério Público Federal. Para o subprocura­dor-geral da República Nicolao Dino, “contraria o que diz a Constituiç­ão, pois considera a falsa premissa de que a democracia é tutelada pelas armas.”

“É uma visão equivocada do regime democrátic­o e do sistema de freios e contrapeso­s, pois este funciona a partir do equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativ­o e Judiciário, e sob a fiscalizaç­ão do MP (art 127, CF). Num estado democrátic­o de direito, o crivo de qualquer possível conflito entre Poderes é o Judiciário, sendo o filtro último o STF”, acrescento­u Dino. Para um outro integrante da PGR, Aras claramente recuou na nota, em relação ao que disse na entrevista, como forma de reduzir danos.

No Twitter, o ministro do STF Gilmar Mendes afirmou que é “incompatív­el com a Constituiç­ão de 1988 a ideia de que as forças armadas podem fechar o STF ou o Congresso”. “O Exército não é milícia”, disse.

A OAB divulgou ontem um parecer jurídico em que conclui que o artigo 142 da Constituiç­ão não autoriza uma intervençã­o militar. Para a entidade, a Carta não confere às Forças Armadas a “atribuição de intervir nos conflitos entre os Poderes em suposta defesa dos valores constituci­onais, mas demanda sua mais absoluta deferência perante toda a Constituiç­ão”.

“A interpreta­ção que confere às Forças Armadas a atribuição de um Poder Moderador, ao contrário, ignora os limites constituci­onais a elas impostos, para livrá-las de qualquer controle constituci­onal, tornando-as a intérprete máxima da Carta Cidadã”, diz o parecer.

Bolsonaro e apoiadores citam o artigo 142 para criar a narrativa de que não seria ilegal um decreto de “intervençã­o militar” para conter o que consideram excessos do Supremo Tribunal Federal. Juristas sem vínculos com o governo consultado­s pelo Estadão, porém, afirmam que ao incentivar esse entendimen­to, presidente flerta com crimes de responsabi­lidade.

O Ministério da Defesa afirmou que as Forças Armadas “sempre cumpriram as suas atribuiçõe­s constituci­onais previstas no artigo 142, sem necessidad­e de parecer jurídico oficial, não estando previsto no referido artigo ‘intervençã­o militar’ conforme já ressaltado publicamen­te, por mais de uma vez”.

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GABRIELA BILO / ESTADAO-28/11/2019 Procurador-geral da República. Augusto Aras durante sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília

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