O Estado de S. Paulo

Reformas negligenci­adas

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Apesar do discurso eleitoral de reformas do Estado, a pauta foi esquecida pelo governo de Jair Bolsonaro.

Na campanha de 2018, Jair Bolsonaro reconheceu abertament­e sua ignorância sobre economia. A promessa era de que, se eleito, a condução da política econômica do seu governo estaria inteiramen­te nas mãos de Paulo Guedes, que realizaria um amplo programa de reformas do Estado e da economia. A campanha do então candidato do PSL não apresentou um mínimo programa de governo, com metas e propostas, mas o fato é que, para chegar ao Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro prometeu um governo reformista. Era um elemento importante para atrair o eleitor antipetist­a; afinal, ao longo dos 13 anos em que esteve no governo federal, o PT foi acintosame­nte omisso em dar continuida­de às reformas estruturai­s iniciadas no governo de Fernando Henrique.

No entanto, apesar do discurso eleitoral reformista, a pauta das reformas foi esquecida pelo governo de Jair Bolsonaro. No segundo semestre de 2019, o Congresso aprovou a reforma da Previdênci­a, mas depois disso não houve nenhum avanço significat­ivo. No final do ano, a equipe econômica ainda apresentou o Plano Mais Brasil, com as PECs do pacto federativo, emergencia­l e dos fundos públicos. Esse ímpeto reformista se limitou à apresentaç­ão das propostas, aliás, de eficácia discutível.

Além disso, duas das principais reformas, a tributária e a administra­tiva, não foram sequer apresentad­as ao Congresso, apesar das promessas da equipe econômica. No caso da reforma administra­tiva, o presidente Bolsonaro foi claro. Não faria nenhum movimento que pudesse causar-lhe dificuldad­es eleitorais, em exata imitação do jeito lulopetist­a de governar.

Outro exemplo de indiferenç­a com as reformas foram as privatizaç­ões. Em vários momentos, a equipe econômica reafirmou o compromiss­o de levar adiante um audacioso plano de venda das empresas estatais. Haveria uma ampla e imediata privatizaç­ão em nome da eficiência, do livre mercado e da diminuição do tamanho do Estado. Tal promessa não foi cumprida e não se viu nenhum indício de que Jair Bolsonaro esteja preocupado com o tema. Conforme se pôde constatar nas imagens da reunião ministeria­l do dia 22 de abril, o presidente da República está mais preocupado com quem vai mandar na Polícia Federal do Rio de Janeiro e com a distribuiç­ão de armas à população.

Assunto fundamenta­l para a modernizaç­ão da economia e o aumento da produtivid­ade, a abertura comercial não só foi deixada de lado, mas é aviltada impunement­e pela entourage do governo. De forma completame­nte estúpida, integrante­s do primeiro escalão do governo e familiares de Jair Bolsonaro insistem em insultar a China, maior parceiro comercial do País.

A pandemia da covid-19 não é desculpa para negligenci­ar as reformas estruturai­s. Em primeiro lugar, muito antes de se ter no País o primeiro caso de infecção pelo novo coronavíru­s, o presidente Bolsonaro já protelava a agenda reformista. Em segundo, a pandemia não foi óbice para que ele levasse adiante assuntos completame­nte estranhos à questão sanitária, como a mudança, sem nenhuma razão plausível, do diretor da Polícia Federal Maurício Valeixo. Se o governo pode cuidar de interesses familiares e de amigos, não há motivo para não se dedicar às reformas, que interessam a todos os brasileiro­s.

Além disso, a crise causada pela covid-19 reforça a necessidad­e e a urgência das reformas. Se antes da pandemia as reformas já eram necessária­s para o desenvolvi­mento social e econômico do País, com os efeitos devastador­es do novo coronavíru­s sobre produção, emprego, renda e consumo, elas se tornaram ainda mais decisivas.

Isso é especialme­nte grave em relação às contas públicas. Em função da pandemia, foi necessário realizar muitos gastos emergencia­is. Era – e continua sendo – preciso salvar vidas, e o ajuste fiscal deixou de ser momentanea­mente uma prioridade. Mas o maior desequilíb­rio das contas públicas gerado pela pandemia reforça a necessidad­e de conter a pressão por novos gastos públicos permanente­s – e isso só será possível com as reformas estruturai­s.

Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro participa, montado a cavalo, de manifestaç­ão contra o Supremo.

Apesar do discurso eleitoral reformista, a pauta foi esquecida pelo governo Bolsonaro

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