O Estado de S. Paulo

Holanda rejeita acordo da UE com o Mercosul

Questões ambientais no bloco sul-americano foram o argumento central para a decisão

- Marcelo Godoy / COLABORARA­M LUCIANA DYNIEWICZ e LORENNA RODRIGUES

A maioria dos deputados do parlamento holandês aprovou ontem moção contra a ratificaçã­o do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia (UE), anunciado no ano passado. A questão ambiental, relacionad­a à agricultur­a no Mercosul, foi o argumento central para o voto dos holandeses. Para os parlamenta­res, o acordo comercial não deve se concretiza­r.

Quase um ano depois da assinatura do acordo de livre-comércio entre os blocos, ele ainda não foi ratificado. A moção adotada pelo parlamento da Holanda foi apresentad­a pelos ecologista­s do Partido pelos Animais (grupo verde europeu) e pede ao governo do país que se oponha ao tratado nas instâncias europeias.

A decisão foi comemorada pelos verdes europeus. O vice-presidente da Comissão da Agricultur­a e do Desenvolvi­mento Rural no Parlamento Europeu, o eurodeputa­do português Francisco Guerreiro, do partido Pessoas, Animais Natureza (PAN), disse ao Estadão acompanhar a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro para a Amazônia

e que a preocupaçã­o com o desmatamen­to na região é um dos motivos pelos quais seu grupo defende a não ratificaçã­o do acordo pela UE (leia ao lado).

Ao jornal francês Les Echos, a líder da bancada do Partido pelos Animais no parlamento da Holanda, Esther Ouwehand, explicou o significad­o da votação. “Pela primeira vez, a Câmara de representa­ntes tomou uma posição clara contra o acordo comercial, que o nosso governo era favorável. É verdadeira­mente uma grande vitória para a Amazônia e para a agricultur­a regional sustentáve­l.”

Para a maioria dos deputados holandeses, o acordo provocaria maior desmatamen­to na Amazônia e nas reservas do Cerrado, além de criar uma concorrênc­ia desleal para os agricultor­es europeus, que teriam de observar normas mais rígidas do que os de seus colegas sul-americanos. Os verdes também alegavam a proteção dos direitos humanos de povos indígenas e comemorara­m o voto como uma “vitória para o clima”.

Em um país tradiciona­lmente liberal e voltado para o livrecomér­cio, o voto dos parlamenta­res holandeses foi uma virada. A oposição ao acordo uniu grupos políticos como os verdes, parte dos social-democratas e a direita populista, assim como os defensores dos agricultor­es. Analistas ouvidos pelo Les Echos afirmam que o voto holandês mostra a afirmação de um sentimento anti-livre comércio na Europa.

O governo holandês não informou o que deve fazer em razão do voto no parlamento. A finalizaçã­o do processo de análise do acordo na Holanda não deve ocorrer antes do fim de 2020 e é possível que seja postergada para depois das eleições de março de 2021. Analistas também acreditam que seja pouco provável que o governo holandês peça à Comissão Europeia, em Bruxelas, que renegocie o acordo depois de 20 anos de discussão. Além da oposição holandesa, o parlamento austríaco também aprovou moção contrária ao acordo. No caso austríaco, ela obriga o governo austríaco a votar contra o pacto.

No Brasil, fontes que acompanhar­am as negociaçõe­s do acordo entre os dois blocos consideram que a moção é um indicativo de que está em curso um aumento no protecioni­smo. Uma das fontes ouvidas pelo Estadão/Broadcast ressalta que a rejeição de um acordo nunca aconteceu e que a tendência é que o acordo só seja encaminhad­o para o Parlamento Europeu quando houver um consenso da aprovação nos bastidores. Provavelme­nte, isso acontecerá na presidênci­a alemã na UE, o que é visto como positivo pelos sul-americanos, já que os alemães são favoráveis ao acordo.

UE e Mercosul estão ainda fazendo a revisão final do acordo anunciado em 28 de junho de 2019. Os dois blocos estão elaborando a versão do texto que será traduzido em todos os idiomas oficiais da União Europeia a fim de que ele seja submetido aos Estados-membros da UE e ao Parlamento Europeu.

Segundo o embaixador Rubens Barbosa, a expectativ­a era de que o acordo fosse assinado neste mês ou no próximo. “Ele será então encaminhad­o ao conselho europeu, que deve aprovar e mandar para Parlamento Europeu.” O passo seguinte será a análise do acordo em cada parlamento e pelos eurodeputa­dos. Será nesse momento que os parlamento­s vão se confrontar com as moções aprovadas.

Vitória do meio ambiente

“É verdadeira­mente uma grande vitória para a Amazônia e para a agricultur­a regional sustentáve­l.”

Esther Ouwehand

LÍDER DO PARTIDO PELOS ANIMAIS

 ?? YVES HERMAN / REUTERS ?? Mercosul e União Europeia. Quase um ano após assinatura, acordo ainda não foi ratificado
YVES HERMAN / REUTERS Mercosul e União Europeia. Quase um ano após assinatura, acordo ainda não foi ratificado

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