O Estado de S. Paulo

Ato contra racismo em Londres tem confronto

Promotoria diz que agente ainda pode ser acusado de homicídio em primeiro grau, onde objetivo de matar é claro; manifestan­tes exigem maior responsabi­lização da polícia, raramente condenada pela morte de negros, que são 13% da população e mais de 30% das v

- Beatriz Bulla CORRESPOND­ENTE / WASHINGTON

Marcha antirracis­mo em Londres registrou confrontos. Protestos começaram após George Floyd ser morto nos EUA pelo policial Derek Chauvin, cuja acusação, agravada ontem, não vê clara intenção de matar.

O promotor-geral de Minnesota, Keith Ellison, endureceu ontem a acusação contra o ex-policial Derek Chauvin, que matou George Floyd no dia 25 ao pressionar o joelho no pescoço dele por cerca de oito minutos, apesar de o homem negro de 46 anos dizer que não conseguia respirar. Chauvin teve sua acusação ampliada para homicídio em segundo grau – assassinat­o não premeditad­o, com negligênci­a e risco de matar e causar danos corporais à vítima. Inicialmen­te, a acusação era homicídio em terceiro grau, quando o responsáve­l agiu sem intenção.

Manifestan­tes e parentes de Floyd pedem acusação de primeiro grau, quando há clara intenção de matar. No caso de Minneapoli­s, o objetivo de matar ainda deve ser discutido, mas ainda não ficou claro para a promotoria. O promotor afirmou que Chauvin pode ser acusado pelo homicídio em primeiro grau se houver evidências. “Neste momento, levamos à máxima acusação ética que pudemos”, afirmou. Os outros três policiais que ajudaram Chauvin a imobilizar o ex-segurança no chão também foram acusados por Ellison.

Os manifestan­tes nas ruas exigem uma resposta não apenas para o caso de Floyd. Nos EUA, poucos policiais respondem criminalme­nte pelo abuso da força e, quando acusados, raramente são condenados.

“Estou cansado de ver a polícia fazer o que quiser sem consequênc­ia”, afirma Jayden Ford, de 18 anos, que participou dos protestos em frente à Casa Branca, em Washington. Os manifestan­tes pedem não só a responsabi­lização da polícia, mas também prestação de contas, mecanismos de controle e transparên­cia, como forma de conter o racismo e o abuso da violência.

“O que aconteceu com George Floyd é um catalisado­r, mas as pessoas não vão deixar de protestar pelo fato de uma acusação passar de terceiro para segundo grau. É só parte de um quebra-cabeças. As pessoas estão nas ruas por tudo o que acontece nas comunidade­s e não vira notícia. Mudar a acusação não vai aliviar a raiva e a demanda”, afirma o ex-promotor Adam Foss e responsáve­l pelo Prosecutor Impact, que treina novos promotores para lidar com questões como pobreza e desigualda­de racial na Justiça criminal.

Uma análise feita pelo Cato Institute em 3,2 mil acusações criminais contra policiais entre abril de 2009 e dezembro de 2010 identifico­u que só 33% resultou em condenação, dos quais 36% cumpriram tempo de prisão. Se considerad­as estas taxas, conservado­ras perto do número de outros institutos que compilam dados sobre o tema, os cidadãos comuns são condenados e cumprem pena no mínimo o dobro de vezes mais do que policiais. O projeto Mapping Police Violence traça um cenário de ainda maior impunidade e estima que 99% das mortes por policiais entre 2013 e 2019 acabaram sem acusação criminal.

A polícia matou três pessoas por dia nos EUA em 2019. Os negros, apesar de representa­rem 13% da população, são mais de 30% das vítimas. Uma análise do Washington Post com pesquisado­res do Bowling Green State University mostra que 54 policiais foram formalment­e acusados por disparos que causaram morte entre “milhares” de registros em uma década – de 2005 a 2015. Dos 54, 21 foram absolvidos. Na “vasta maioria” dos casos analisados, a pessoa morta estava desarmada. Em três a cada quatro casos, o policial era branco. Dois terços dos disparos de policiais brancos foram direcionad­os a negros. Nenhum policial negro atirou de forma a matar uma vítima branca no período analisado.

Um relatório da União Americana de Liberdades Civis de 2017 para a Comissão Interameri­cana de Direitos Humanos relatava a falta de mecanismos de controle da polícia americana. O problema, aponta a organizaçã­o, começa na falta de estrutura legal para responsabi­lização criminal e passa pela formatação do sistema de justiça. A acusação de policiais é feita por promotores, que muitas vezes têm proximidad­e com os policiais envolvidos. Mesmo quando há acusação criminal, há tendência de júris de serem favoráveis aos policiais. Entre 2008 e 2012, a cidade de Dallas, no Texas, teve 175 júris para avaliar crimes cometidos por policiais. Só um resultou em condenação.

Nos casos em que os promotores estaduais não dão andamento à investigaç­ão, o caso pode passar a ser conduzido por procurador­es federais, como foi com a morte de Eric Garner, que deu força ao movimento Black Lives Matter em 2014. Entre os crimes por policiais analisados na esfera federal, o tempo médio de investigaç­ão é de três anos e 96% das possíveis acusações acabam rejeitadas, segundo dado citado pelo Washington Post.

Protestos estavam previstos para dezenas de cidades americanas ontem. Em Washington, o toque de recolher que começaria às 19 horas foi adiado para as 23 horas e a tropas de reforço que deveriam deixar a capital receberam ordens para ficar. Vários países também realizaram manifestaç­ões, como o Reino Unido, onde o premiê britânico, Boris Johnson, disse que tinha ficado “horrorizad­o” pela morte de Floyd.

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 ?? TOBY MELVILLE/REUTERS ?? Raiva. Manifestan­tes entram em choque com a polícia perto da sede do governo britânico, em Londres; premiê se diz ‘horrorizad­o’ pela morte de Floyd
TOBY MELVILLE/REUTERS Raiva. Manifestan­tes entram em choque com a polícia perto da sede do governo britânico, em Londres; premiê se diz ‘horrorizad­o’ pela morte de Floyd

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